Hacker coloca à venda suposta lista de quase 10 bilhões de senhas: você deve se preocupar?

Por suspeita de irregularidade, MP no TCU pede suspensão de acordo entre governo e empresa de energia do grupo J&F
Batizado de RockYou2024, arquivo seria o maior pacote de senhas roubadas da história, segundo site dos EUA especializado em cibersegurança. Mas especialistas levantam dúvidas sobre verdadeiro potencial. RockYou2024 é uma lista que supostamente inclui quase 10 bilhões de senhas de vários serviços online
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Uma lista com quase 10 bilhões de senhas que teriam sido vazadas de vários serviços na internet foi colocada à venda no começo do mês. Segundo pesquisadores do site americano Cybernews, este seria o maior pacote de senhas roubadas da história.
O arquivo foi batizado como RockYou2024 e, de acordo com a página especializada em cibersegurança, inclui exatamente 9.948.575.739 senhas em texto simples, isto é, sem criptografia.
O veículo também afirmou que a compilação parece ter senhas coletadas de 4.000 bancos de dados ao longo de duas décadas.
Só que, ainda segundo o Cybernews, a maioria das senhas já tinha sido anunciada na internet em 2021, em outra versão do RockYou, que alegava reunir 8,4 bilhões de credenciais. Ou seja, muitas delas podem já ter sido substituídas.
Além deste fator, especialistas colocam em dúvida o potencial dessa lista pelos seguintes motivos:
os registros, em sua maioria, parecem não ser senhas, de fato, e sim palavras tiradas de sites como Wikipedia;
a RockYou2024 supostamente reúne apenas senhas, sem que elas estejam associadas a e-mails ou nomes de usuários, dificultando invasões a contas;
parte das senhas que realmente foram vazadas pode estar corrompida, isto é, não ser exibida da forma correta, o que faria esses registros serem inutilizados.
⚠️ Mas isso significa que não há motivos para preocupação? Não é bem assim. Listas de senhas como a RockYou2024 podem ser usadas por criminosos para aplicar os chamados "ataques de força bruta".
"No ataque de força bruta, você tem uma lista de senhas conhecidas, vai a um site e tenta usar toda a lista para logar em uma conta. Tentam-se diferentes combinações na esperança de que a vítima esteja usando uma delas", explicou ao g1 o engenheiro de pesquisa sênior da Tenable, Satnam Narang.
Saiba mais abaixo sobre o RockYou2024, quais os riscos das listas de senhas e como se proteger.
O que é RockYou2024?
RockYou é uma referência à antiga empresa de serviços online que sofreu um vazamento de dados em 2009. Na ocasião, 32 milhões de contas foram expostas após terem suas senhas armazenadas sem criptografia.
Desde então, outras listas de senhas aproveitaram este nome e passaram a circular na internet. A RockYou2024 é a atualização mais recente, divulgada em 4 de julho.
O que tem na RockYou2024?
A lista foi anunciada como um arquivo de texto com bilhões de senhas, sem referência a outros tipos de dados, como e-mails e nomes de usuário, que costumam ser citados para aumentar o interesse por esse tipo de material.
Na RockYou2021, a compilação não incluiu nomes de usuário, mas tinha um problema maior: a maioria das supostas senhas não eram credenciais vazadas, e sim palavras retiradas do Wikipedia e do Projeto Gutenberg, site que digitaliza obras literárias.
A informação foi revelada na época por Troy Hunt, criador do site "Have I Been Pwned", que monitora vazamentos de dados. Sobre a nova versão da RockYou, ele afirmou que não há motivos para se preocupar.
"Essas não são senhas violadas, são apenas sequências de texto coletadas de todos os tipos de fontes diferentes", afirmou Hunt, no X, no início de julho.
Em uma análise de 2021, Hunt também disse que sequer existem 8,4 bilhões de senhas únicas para serem exploradas ao considerar o número aproximado de usuários de internet, de senhas repetidas em vários serviços e de tantos sistemas que não sofreram violações.
E há outro ponto para se atentar: é possível que trechos do arquivo que foram obtidos em vazamentos já tenham sido modificados e nem sejam mais exibidos corretamente.
Segundo o engenheiro de Sistemas de Gerenciamento da Palo Alto Networks, Wellington Silva, "muitas vezes, as senhas podem vir num formato corrompido, às vezes, por caracteres especiais que são removidos ou senhas que são muito longas".
Parte das senhas pode ser exploradas, mas algumas delas acabam "quebradas", ou seja, sem a devida formatação. Segundo Wellington, isso acontece "porque não foi possível vazar toda a estrutura da senha, às vezes, pelo procedimento usado para extrair essas informações".
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Para que servem listas de senhas?
Esse tipo de material serve para os "ataques de dicionário" ou "ataques de força bruta", métodos menos sofisticados em que hackers buscam invadir contas por tentativa e erro, a partir da combinação de um e-mail ou nome de usuário com as senhas presentes na lista.
A técnica não serve para serviços online mais conhecidos, que costumam limitar o login depois de um determinado número de tentativas de acesso erradas. Mas pode ser útil para sites menores, em que não há tanta segurança.
"Força bruta significa que está se tentando tudo, está se usando tudo ao alcance para tentar arrombar a porta. Então, você continua tentando, tentando, até que algo funcione", afirmou Narang, da Tenable.
Depois de descobrir o login e senha de um serviço menos conhecido, cibercriminosos podem testar a combinação em plataformas maiores, como redes sociais e e-mails, na esperança de que o titular usou a senha em mais de um lugar.
"Tentarão usar esses dados em outro site. Isso é mais fácil do que tentar o ataque de força bruta, onde se tenta todas as combinações de senhas", disse Narang.
Como se proteger?
Não há um meio de evitar com 100% de certeza que suas informações sejam expostas indevidamente, avaliou o diretor da Equipe Global de Pesquisa e Análise da Kaspersky para a América Latina, Fabio Assolini.
"O vazamento de dados é algo impossível de evitar", disse. "Hoje, o usuário deve entender que já não é questão de se os dados vão vazar, mas quando. É inevitável. A partir disso, você precisa adotar hábitos para diminuir o prejuízo desse vazamento".
Para aumentar sua segurança na internet, especialistas ouvidos pelo g1 sugerem as medidas abaixo.
Use senhas diferentes, sem repeti-las em vários serviços;
Para lembrar de todas, adote um gerenciador de senhas – alguns deles informam caso elas apareçam em vazamentos de dados (saiba mais sobre eles);
Ative o gerenciamento em duas etapas, que exige um segundo fator de autenticação além da senha para acessar suas contas (veja como habilitar nos principais aplicativos);
Monitore seus dados por meio de sites como o Have I Been Pwned, que informa se eles apareceram em um vazamento;
Informe dados fictícios nos casos em que eles não são necessários – um site de jogos online nem sempre precisa do seu endereço, por exemplo.
Golpes no Whatsapp: saiba como se proteger

‘Cupido’ no Tinder: Saiba como seus amigos podem te ajudar a escolher um ‘ficante’ no app

Por suspeita de irregularidade, MP no TCU pede suspensão de acordo entre governo e empresa de energia do grupo J&F
Aplicativo permite que seus conhecidos tenham acesso aos perfis da plataforma para 'indicar' aquelas pessoas que mais combinam com você. 'Cupido' no Tinder: Saiba como convidar amigos para te ajudar a arrumar um romance no app
Divulgação/Tinder
O app de relacionamentos Tinder tem um recurso que permite aos seus amigos e familiares recomendarem perfis que têm a ver com você. Esses conhecidos podem fazer "aprovações" mesmo sem ter uma conta no aplicativo. 💘
A funcionalidade é chamada de "Tinder matchmaker" ("Tinder casamenteiro", em tradução livre). Para usá-lo, você deve enviar um link do perfil de quem ficou interessado para até 15 pessoas. Depois, os seus cupidos têm até 24 horas para analisar os pretendentes.
Veja o passo a passo para ativá-lo📱:
abra o aplicativo Tinder e clique em "Configurações";
vá até o tópico "Matchmaker" e clique em "Configurações";
ative a opção "Mostrar meu perfil no Matchmaker";
logo abaixo terá a opção de clicar em "Chame seus amigos pra dar uma de cupido";
após clicar na sessão, escolha por qual canal (WhatsApp, Instagram, Facebook, etc) para compartilhar o link exclusivo do perfil interessado com os amigos.
Assim que o "cupido" obtiver o link, ele poderá entrar no Tinder pelo navegador como convidado, sem precisar criar uma conta no aplicativo.
A partir daí, ele terá a opção de "curtir" o perfil sugerido. Caso o pretendente seja do agrado do cupido, ele poderá dar "like" no perfil e o usuário original do Tinder vai receber uma recomendação.
No entanto, as permissões do matchmaker se limitam a apenas esta etapa. Ele não pode enviar mensagens ou "dar like".
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Caixa Tem: esqueceu a senha? Veja como recuperar e acessar o aplicativo

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O app Caixa Tem é utilizado, entre outros serviços, para o pagamento do Bolsa Família. Aplicativo Caixa Tem
Divulgação
O Caixa Tem é um aplicativo da Caixa Econômica Federal (CEF) utilizado, entre outros serviços, para acessar a poupança social digital, por onde são feitos os pagamentos do Bolsa Família.
O acesso ao app é feito com o CPF e uma senha numérica de seis dígitos. Em caso de perda da senha, é possível iniciar um processo para recuperação e criação de uma nova.
Veja o passo a passo:
Ao acessar o app do Caixa Tem (Android ou iOS), clique em "Recuperar Senha";
Insira o CPF no campo indicado, marque a opção "Não sou um robô" e clique em "Continuar";
As instruções para a recuperação da senha serão enviadas para o endereço de e-mail cadastrado;
Acesse o seu e-mail cadastrado e clique no link enviado para redefinir a senha;
Siga as instruções solicitadas e crie uma nova senha. Ela deve ser numérica, com ao menos seis dígitos, e não pode ser igual ao CPF, possuir repetições ou ser a sua data de nascimento;
Clique em "Continuar" para validar o processo e faça o login na plataforma com a nova senha.
Veja abaixo como acessar sua conta no Caixa Tem por smartphone:
1) Baixe o aplicativo no seu celular
Estão disponíveis versões para aparelhos com sistemas Android e iOS (Apple):
Clique aqui para baixar o app para celulares Android
Clique aqui para baixar o app para celulares iOS (Apple)
2) Faça o login
O acesso é feito com o seu CPF e uma senha numérica que você irá cadastrar na primeira vez que usar o aplicativo.
Etapas para login no app Caixa Tem.
Reprodução
3) Confirme o número do seu celular
No seu primeiro acesso, você irá receber um código em uma mensagem SMS para confirmar sua identificação. Basta informar o número do seu telefone e depois digitar, no aplicativo, o código recebido dentro.
4) Use os serviços
Depois de acessar, é só clicar no serviço que você deseja utilizar.
Márcio França, ao g1: 'Se tem uma porta de saída para o Bolsa Família, é empreender'

O futuro incerto da cidade gaúcha movida ao combustível mais poluente do mundo: ‘Não somos contra o planeta’

Por suspeita de irregularidade, MP no TCU pede suspensão de acordo entre governo e empresa de energia do grupo J&F
A economia e vida da pequena Candiota gira em torno das minas e das usinas movidas a carvão mineral, que são campeãs em emissões de gases do efeito estufa. Usina termelétrica movida a carvão mineral Candiota III, no Rio Grande do Sul. Município de Candiota tem 80% da sua economia girando em torno do combustível fóssil.
Divulgação – CGT/Eletrosul
"Não somos más pessoas por não querer que fechem a usina e nem defendemos que o planeta se exploda. Não somos contra o planeta."
É assim que a empresária e cozinheira uruguaio-brasileira Gil Melo, de 34 anos, defende o que parte da comunidade científica considera indefensável: o carvão mineral.
O carvão é o combustível fóssil que mais emite gases do efeito estufa, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), e apontado como um dos grandes vilões das mudanças climáticas, cujos efeitos foram associados às chuvas extremas que devastaram o Rio Grande do Sul há pouco meses.
Mas Gil Melo vive em Candiota, município gaúcho de 10,7 mil habitantes a quase 400 km de Porto Alegre. Seu restaurante, diz ela, é como o restante da cidade: gira em torno da economia do carvão.
"Cerca de 80% da nossa economia gira em torno do carvão mineral", diz o prefeito da cidade, Luiz Carlos Folador (MDB), à BBC News Brasil.
Candiota abriga a maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil, com reservas estimadas em 1 bilhão de toneladas. Também é lá que estão duas usinas termelétricas abastecidas pelo combustível fóssil.
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Durante décadas, as reservas de Candiota foram motivo de orgulho e impulsionam a economia da cidade.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), elas seriam suficientes para abastecer o Brasil por aproximadamente cem anos.
Mas o mundo, segundo cientistas, não pode suportar mais cem anos usando carvão mineral — e os moradores de Candiota parecem saber disso.
Nos últimos anos, a cidade vive um clima de incerteza por conta da pressão global pelo corte nas emissões dos gases do efeito estufa.
Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) pedem reduções drásticas nas emissões de gases do efeito estufa.
Em maio de 2022, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, pediu que o mundo abandone seu "vício" em combustíveis fósseis, começando com o carvão mineral, se quiser limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC, em relação aos níveis pré-industriais, até 2100, estabelecida pelo Acordo de Paris.
O Brasil já se comprometeu a zerar até 2050 suas emissões líquidas, como é chamado o saldo entre o que é emitido e o que é reabsorvido pela natureza.
O temor em Candiota é de que a transição energética chegue à cidade antes de ela encontrar uma nova fonte de sobrevivência.
Nos últimos meses, esse temor ganhou um novo elemento depois que o Rio Grande do Sul foi atingido por enchentes que mataram mais de 170 pessoas e é considerado o maior desastre climático do Brasil.
Os moradores relatam terem medo de que a economia do carvão mineral vire uma espécie de "bode expiatório" da tragédia gaúcha e que isso acelere iniciativas para o declínio da atividade carbonífera na região.
A empresária Gil Melo diz reconhecer os perigos das mudanças climáticas, mas defende a manutenção da economia do carvão em Candiota: 'Nos apegamos ao que nós temos'.
João da Mata / BBC News Brasil
Riqueza que vem do carvão
A história de Candiota está intimamente ligada ao carvão mineral.
Ainda no Brasil imperial, a região era conhecida por suas reservas do minério que era extraído para movimentar antigas forjas. À época, a área fazia parte do município de Bagé.
A primeira usina termelétrica movida a carvão mineral na região foi instalada em 1961.
Atualmente, a cidade tem duas usinas em funcionamento: Candiota III e Pampa Sul.
A primeira pertence ao grupo Âmbar Energia, que faz parte da holding J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. A segunda pertence aos fundos de investimento Perfin e Starboard.
As duas usinas, assim como as duas minas em atividade, são as principais empregadoras da cidade.
Juntas, as duas usinas geram 695 MW, o equivalente a 0,3% da capacidade instalada de geração de energia elétrica do Brasil, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
A indústria do carvão ajudou Candiota a se transformar em um dos municípios mais economicamente prósperos do Rio Grande do Sul.
O Produto Interno Bruto (PIB) per capita — a soma de todas as riquezas geradas dividida pelo número de habitantes — de Candiota foi de R$ 282 mil em 2021, de acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Era o 20º maior do Brasil e o 3º do Rio Grande do Sul. O valor é mais do que seis vezes a média nacional, de R$ 42,2 mil.
Caminhão faz o transporte do carvão mineral que será utilizado por uma das usinas termelétricas instaladas em Candiota. Carvão é o combustível fóssil que mais emite CO₂.
João da Mata / BBC News Brasil
A estimativa é de que pelo menos 5 mil dos 10,7 mil habitantes tenham empregos diretos ou indiretos ligados à indústria do carvão.
Eles cresceram próximos aos canteiros de obras e às instalações das usinas e minas que funcionaram e ainda funcionam no município.
Pelo menos três vezes ao dia, ônibus levam centenas de trabalhadores de outras cidades a Candiota para atuarem nas minas e usinas da cidade.
A viagem é marcada por uma paisagem quase bucólica repleta de pequenas propriedades rurais típicas da região conhecida como Campanha Gaúcha.
Trata-se de um relevo em boa parte plano coberto por uma vegetação rasteira onde há algumas plantações e criação de gado e ovelhas.
Da estrada, é possível ver parreirais e algumas plantações de oliveiras — e também as chaminés de mais de 30 metros das duas usinas termelétricas.
Uma delas, a da usina Candiota III, chama atenção pelo seu formato, semelhante às de usinas nucleares.
A cidade é divida em três núcleos diferentes, alguns distantes quase 10 quilômetros um dos outros.
Em geral, as ruas desses núcleos são asfaltadas, as escolas municipais são bem equipadas, e há supermercados abastecidos para atender à população.
"Candiota é uma ilha em matéria de sustentação econômica", celebra Hermelindo Ferreira, ex-presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota.
Vinhedos e, ao fundo, chaminé da usina termelétrica Pampa Sul, em Candiota. A usina foi vendida pela francesa Engie a dois fundos de investimento brasileiros.
João da Mata / BBC News Brasil
O outro lado da prosperidade
A prosperidade de Candiota, no entanto, vem acompanhada de controvérsia.
Um dos principais argumentos entre os moradores da cidade e de entidades que defendem a indústria de carvão é o de que o impacto ambiental gerado pela produção de energia elétrica a partir do mineral é pequeno considerando o total das emissões de gases do efeito estufa do Brasil.
Parte dos dados científicos a respeito aponta nessa direção.
O Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mantido pela organização não-governamental Observatório do Clima (OC), estima que apenas 0,4% das emissões brutas do Brasil em 2022, conforme os dados mais recentes, tenham produzidas pela geração de energia elétrica a partir do carvão mineral.
Ainda segundo o SEEG, 74% das emissões brasileiras resultam de desmatamento e da atividade agropecuária.
Além disso, a eletricidade gerada com carvão representa apenas 1,2% da capacidade elétrica instalada no Brasil, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME).
Além das duas usinas no Rio Grande do Sul, também há térmicas a carvão no Paraná, Santa Catarina, Ceará e Maranhão.
Ainda de acordo com a EPE, 89% da matriz elétrica brasileira é composta de fontes renováveis como a energia hidrelétrica, eólica e solar.
"O Brasil já fez a sua transição energética", diz o presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), Fernando Luiz Zancan.
A entidade é a principal representante dos interesses de mineradoras e usinas termelétricas movidas a carvão mineral e, até março deste ano, se chamava Associação Brasileira do Carvão Mineral.
"Sei que as coisas são urgentes, mas não vamos resolver o problema acabando com 1,5% da nossa matriz energética. Isso não resolve o problema do Brasil, do Rio Grande do Sul e nem do mundo", argumenta o sindicalista Hermelindo Ferreira.
Parte dos dados, no entanto, vai em outra direção.
De acordo com a EPE, a produção de eletricidade a carvão responde por 48,6% das emissões de gases do efeito estufa oriundos de toda a produção de eletricidade com fontes não-renováveis.
Perde para as emissões do gás natural (50,4%), sendo que a quantidade de energia produzida por usinas a gás natural no Brasil é 4,5 vezes maior que aquela gerada pelas usinas movidas a carvão.
Pesquisas indicam que a situação em Candiota é ainda mais grave.
Por dois anos consecutivos, relatórios do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) apontaram que as duas usinas termelétricas localizadas no município são as mais ineficientes e as que geram mais gases do efeito estufa por unidade de energia produzida em todo o Brasil.
"O carvão gera mais emissões, porque é preciso queimar uma grande quantidade para liberar a energia aprisionada, na comparação com, por exemplo, o gás natural", explica à BBC News Brasil o analista de projetos do IEMA Felipe Barcellos.
"Mas além disso, as usinas de lá são um pouco antigas e usam um carvão que é mais pobre energeticamente. Por gigawatts-hora gerados, ou seja, por cada unidade de eletricidade, as emissões pelo carvão são as maiores possíveis. Elas são bem acima das que temos em outras tecnologias."
Além disso, por conta das altas emissões geradas pelas duas usinas e por suas minas, Candiota aparece no ranking do SEEG como o 60º município brasileiro com a maior quantidade de emissões de gases do efeito estufa.
A posição chama atenção, porque o município, segundo o IBGE, é apenas o 2.868º mais populoso do Brasil.
Procurada, a Âmbar Energia, dona da usina Candiota III, não respondeu às perguntas enviadas pela BBC News Brasil.
Em nota, os controladores da usina Pampa Sul enviaram uma nota informando que o grupo estaria investindo R$ 150 milhões em "melhorias operacionais e no aumento da qualidade e eficiência da usina" o que "acabará por contribuir para redução significativa das emissões de gás carbônico equivalente".
Rosáurea Castañeda Greco preside o Clube de Mães de Candiota e defende a manutenção das atividades carboníferas na cidade até que surja uma nova fonte de renda para a população.
João da Mata / BBC News Brasil
Ansiedade climática
Em 2017, um artigo publicado na revista da Associação Psiquiátrica Americana descreveu o termo "eco-ansiedade" ou "ansiedade climática" como um conjunto de sintomas caracterizado pelo medo das catástrofes que podem afetar o planeta por conta das mudanças climáticas.
Em Candiota, os moradores relatam um temor também relacionado ao clima, mas em direção diferente.
As pessoas com quem a BBC News Brasil conversou afirmam reconhecer a emergência da crise causada pelas mudanças climáticas.
Apesar disso, eles parecem temer que a busca por alternativas às mudanças climáticas leve ao fim da economia do carvão na região e "estoure" a bolha de prosperidade em que vivem.
"Há muita ansiedade nas pessoas com quem a gente convive aqui", disse à BBC News Brasil a aposentada Rosaurea Castaneda Greco, de 61 anos.
Ela é presidente do Clube de Mães Mãe Cleci. Sua família, assim como a de milhares de moradores, é dependente da economia do carvão.
Rosaurea explica que o carvão é tão importante para a cidade que até a logomarca do clube de mães foi alterada para expressar essa relação umbilical.
"Nosso símbolo era um pôr-do-sol que traz a esperança de um mundo melhor para se viver. Há dois anos a gente acrescentou o carvão mineral, porque ele é o símbolo da nossa economia. Temos carvão para mais de 300 anos", explica.
Vera Regina Azambuja Rijo, de 63 anos, também faz parte do Clube de Mães da cidade. Ela chegou a Candiota ainda criança, nos anos 1970, quando o pai foi trabalhar na construção de uma das usinas.
Seu marido se aposentou como funcionário de uma termelétrica, também movida a carvão. Agora, seus seis filhos e dois netos também trabalham para as usinas ou minas da cidade.
Ela diz que mal pode ouvir falar sobre um possível fim da economia do carvão. Sua fala fica embargada ao tocar no assunto.
"Eu me sinto muito triste porque, quando ouço isso, a primeira coisa que me vem à cabeça são os meus filhos e meus netos", diz Vera Regina.
"Todos dependem do carvão. Se acabaram com o carvão, o que vai acontecer com a gente?"
Não há no horizonte nenhum plano ou anúncio de que o governo brasileiro vá encerrar exploração de carvão mineral ou uso de usinas térmicas movidas a este combustível.
Mas, nos últimos anos, sinais emitidos pelo mercado, ambientalistas e pelo mundo político deixaram os moradores da cidade preocupados.
Os primeiros movimentos foram das antigas proprietárias das termelétricas da cidade.
A francesa Engie e a estatal Eletrobras venderam as unidades nos últimos cinco anos como parte de um esforço para "limpar" ou "descarbonizar" seus portfólios de negócios.
Fora do Rio Grande do Sul, o grupo Copel anunciou que paralisaria as atividades de uma usina termelétrica movida a carvão que opera no Paraná pelo mesmo motivo, indicando que alguns atores do mercado de energia já se movimentaram para abdicar desse tipo de fonte de energia.
A preocupação mais imediata em Candiota é com relação ao fim dos contratos de fornecimento de energia da usina Candiota III, previsto para dezembro deste ano.
Sem contrato, a usina terá de paralisar suas atividades. Isso afetaria não apenas os trabalhadores da instalação, mas da mina que abastece suas caldeiras, gerando um efeito dominó na cidade.
A outra preocupação é com relação ao recuo de parte da bancada gaúcha no Congresso em relação a um projeto de lei que previa a manutenção de contratos para as termelétricas de Candiota até 2043, a exemplo do que está previsto para as usinas de Santa Catarina.
O recuo aconteceu justamente após as enchentes que afetaram o Estado neste ano.
"Vimos algumas manifestações dizendo que o problema que tivemos no Rio Grande do Sul foi porque a gente queima carvão em Candiota. Não dá pra conectar as coisas neste sentido", diz o sindicalista Hermelindo Ferreira.
O prefeito Luiz Carlos Folador afirma estar apreensivo tanto com o fim dos contratos de Candiota III quanto com possível repercussão política das enchentes.
"Tanto é que estamos em contato com as autoridades em Brasília para evitar que isso aconteça. Não se pode tomar uma medida de curto, médio e longo prazos por conta de um fenômeno climático", diz o prefeito.
Procurada, a Âmbar Energia não respondeu aos questionamentos sobre o futuro das suas atividades em Candiota.
Ruas do comércio de Candiota. Segundo a prefeitura do município, 80% da economia local gira em torno das minas e das usinas movidas a carvão mineral da cidade.
João da Mata / BBC News Brasil
Carvão: queimar ou não queimar?
Enquanto a comunidade científica pede o fim o mais rápido possível do uso do carvão mineral, Fernando Luiz Zancan, da ABCS, pede tempo.
"O Brasil firmou um compromisso de ter emissões zero em 2050. Então, nosso prazo é 2050", diz Zancan à BBC News Brasil.
Ele afirma que o Brasil ainda não estaria preparado para abrir mão da geração de eletricidade movida a carvão mineral.
Por um lado, diz ele, isso colocaria em risco a segurança do sistema elétrico brasileiro, porque usinas hidrelétricas, eólicas e solares dependem de fatores climáticos.
As principais usinas brasileiras são interligadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Isso permite que energia produzida em uma determinada região possa ser distribuída para outras, evitando sobrecargas.
Algumas termelétricas operam como uma espécie de "usina de reserva" para momentos em que as hidrelétricas enfrentam escassez de água.
"Temos que diversificar as fontes para dar segurança ao sistema. Hidrelétrica, solar e eólica não fornecem isso", defende Zancan.
"Quando houve um apagão de agosto do ano passado, a região Sul ficou 15 minutos sem energia e o Nordeste ficou seis horas. Isso aconteceu porque, no Sul, você tem usinas que giram em alta velocidade e puderam ser acionadas para equilibrar o sistema."
Por outro lado, ele afirma que o fim abrupto da utilização do carvão mineral geraria um grande impacto social nas regiões que dependem dessa economia, especialmente após a tragédia que afetou o Rio Grande do Sul neste ano.
"Se não houver recontratação das usinas, vai acabar o setor. O patrimônio mineral nunca foi tão importante como agora, após as enchentes. O Rio Grande do Sul vai ter que olhar para o patrimônio mineral que ele tem para se reerguer", diz.
Segundo Zancan, o problema das mudanças climáticas não seria a queima do carvão, mas a liberação dos gases do efeito estufa para a atmosfera.
"A questão não é acabar com o carvão. É acabar com sua emissão. Para isso, precisamos reinventar a indústria, e é isso que a gente está promovendo", diz.
Ele defende um conjunto de soluções que passa por duas ideias em geral. A primeira é utilizar reações químicas para capturar as emissões de CO₂ da queima do carvão evitando que elas cheguem à atmosfera.
Segundo Zancan, essa tecnologia já existe desde os anos 1930 e vem sendo aperfeiçoada.
A segunda passaria pela reinserção dos gases liberados pelo carvão mineral no solo.
Para Juliano Araújo, diretor do Instituto Arayara, organização que atua na área de desenvolvimento sustentável, os argumentos de Zancan não fazem sentido ambientalmente.
"Não existe carbono sustentável. As usinas a carvão representam 1,5% da matriz elétrica nacional e isso pode ser facilmente substituído por outras fontes energéticas muito mais baratas e mais seguras", diz Araújo.
Ele também refuta o argumento de que as usinas termelétricas a carvão mineral podem ser uma solução para momentos de escassez hídrica.
"Essas usinas são grandes consumidoras de água, uma vez que precisam dela para gerar vapor. Ou seja, nos momentos de crise hídrica, essas termelétricas competem por água potável porque elas drenam esse recurso das bacias hidrográficas onde estão localizadas", afirma.
Para Araújo, do ponto de vista econômico, as usinas também não se justificariam.
"Se considerarmos as 12 mil pessoas que trabalham direta ou indiretamente na região de Candiota em função do carvão mineral e pegarmos tudo o que se pagou em subsídios para a energia elétrica produzida lá, daria para aposentar todos esses trabalhadores e ainda sobraria recursos para os municípios", diz.
Felipe Barcellos, do IEMA, contesta a ideia de que o Brasil precisaria da energia a carvão para ter segurança energética.
"Quando olhamos para o Brasil como um todo, não se justifica [usar o carvão]. A porcentagem de geração via usinas a carvão é muito baixa, e já temos outras alternativas que podem suprir e dar essa diversificação energética que o Brasil precisa", afirma.
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de 2018 a abril de 2024, foram destinados R$ 5,53 bilhões em subsídios para a geração de eletricidade por meio de carvão mineral e óleo diesel. Na plataforma de dados da agência, não é possível separar as duas categorias.
Questionado sobre a necessidade de manter usinas a carvão mineral na matriz elétrica brasileira, o ONS, disse, por meio de nota que o acionamento das usinas térmicas é feito por "diversos fatores" e que a decisão é tomada por meio de "modelos matemáticos de otimização energética".
O ONS disse ainda que a "energia térmica é fundamental na segurança da operação regular do sistema, além de uma garantia de suprimento energético em períodos de carga mais elevada e/ou escassez de geração pelas demais fontes".
Indagado sobre os subsídios pagos ao setor carbonífero, o MME afirmou que, conforme a legislação, a previsão é que eles sejam pagos até 2027.
Futuro incerto
Em meio à indefinição sobre o futuro de Candiota, os moradores parecem ter chegado a uma conclusão.
"Acho que a cidade ficou dependente demais do carvão", diz Rosaurea Castañeda Greco, do Clube de Mães de Candiota.
"A gente fica com medo de que se não tiver uma transição justa, termine toda a atividade nas usinas e nas minas e acabem os empregos que restam."
O prefeito da cidade minimiza a dependência da cidade em relação ao carvão.
"Estamos trabalhando há muito tempo na transição energética justa, buscando diversificação. Temos a chegada da vitivinicultura (vinhos), o plantio de olivais, a produção de hortaliças e de outras alternativas que possam gerar novos empregos", afirma Folador.
Ele diz que a cidade também está buscando alternativas em outras fontes de energia.
"Não é que sejamos dependentes [do carvão]. Mas é uma riqueza que a gente tem e temos que extraí-la com sustentabilidade", diz Folador.
"Nosso município está migrando para ter um parque de energia fotovoltaica (solar) de 75 MW. Estamos migrando gradativamente para que a gente possa melhorar."
O sindicalista Hermelindo Ferreira critica os que são contrários à indústria do carvão na região.
"Quem defende o fim do carvão não apresenta proposta. Quando você pergunta qual é a alternativa para quem trabalha e se sustenta com o carvão, a gente pergunta: 'É botar a mochila nas costas e ir embora para outro lugar?'", indaga.
A empresária Gil Melo resume, com apreensão, o sentimento da cidade que escolheu para chamar de casa.
"Não somos contra o planeta e nem a favor do aquecimento global. O carvão é o que temos hoje, e nos apegamos ao que temos."

Por suspeita de irregularidade, MP no TCU pede suspensão de acordo entre governo e empresa de energia do grupo J&F

Segundo o MP, o acordo, previsto para vigorar a partir de 22 de julho de 2024, poderia beneficiar indevidamente a empresa Âmbar, contrariando princípios de isonomia e moralidade, além de gerar insegurança jurídica e prejuízos aos consumidores de energia elétrica. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou a suspensão do acordo entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Âmbar Energia S.A., do grupo J&F. A representação baseia-se em possíveis irregularidades no procedimento, alegando que o acordo é lesivo ao interesse público.
Segundo o MP, o acordo, previsto para vigorar a partir de 22 de julho de 2024, poderia beneficiar indevidamente a Âmbar, contrariando princípios de isonomia e moralidade, além de gerar insegurança jurídica e prejuízos aos consumidores de energia elétrica.
O MP solicitou que o TCU:
Avalie as irregularidades dos contratos de energia de reserva.
Determine ao MME a rescisão dos contratos, caso seja comprovado descumprimento contratual pela Âmbar.
Suspenda cautelarmente o acordo até que o mérito da questão seja decidido.
Avalie se a medida provisória beneficia indevidamente a Âmbar.
A denúncia ocorre após revelações de que encontros entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e executivos da Âmbar Energia, não constaram na agenda oficial.
A medida provisória foi editada pouco após essas reuniões, favorecendo a Âmbar e repassando custos aos consumidores. A GloboNews confirmou que o presidente da Âmbar Energia, Marcelo Zanatta, esteve no MME pelo menos 20 vezes desde janeiro de 2023.
O que dizem os envolvidos
O Ministério de Minas e Energia afirmou que a intenção de venda dos ativos da Eletrobras era pública desde julho de 2023 e que a medida provisória não foi discutida diretamente com a Âmbar.
A Âmbar Energia declarou que realizou um negócio privado após um processo competitivo e que nunca tratou do tema com o MME.
Afirmou ainda que a medida provisória visa o reequilíbrio econômico da Amazonas Energia, uma situação conhecida por todos os agentes do mercado elétrico.