Como ler rótulos de cafés e o que levar em conta na hora de escolher o produto

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Em julho, termina o prazo para as marcas adaptarem suas embalagens às normas que entraram em vigor em janeiro de 2023, por meio da Portaria 570 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Em julho, termina o prazo para as marcas adaptarem suas embalagens às normas que entraram em vigor em janeiro de 2023, por meio da Portaria 570 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Andres Victorero/Zoonar/picture alliance/DW
Sabia que a embalagem do café no supermercado te informa qual sabor esperar depois que a bebida estiver preparada? Por exemplo, se no rótulo estiver dizendo que o grão tem uma torra mais escura, pode esperar um sabor mais amargo; já o de torra mais clara, será mais ácido. Nessa reportagem, você encontrará essa e outras dicas.
Essa e outras informações são obrigatórias nas embalagens desde janeiro de 2023. E, desde o começo do mês, terminou o prazo para que as marcas de café do país adaptem suas os rótulos às normas estabelecidas pela Portaria 570 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que entrou em vigor em janeiro de 2023 e estabelece um padrão oficial de classificação de café torrado.
Na nova regra, a embalagem deverá conter informações que ajudem o consumidor a escolher o melhor produto, como qual espécie de café foi usado e qual o tipo da torra (saiba mais abaixo).
Veja o que as embalagens de café precisam te dizer
Wagner Magalhaes / Arte g1
Na última semana, o Ministério da Agricultura divulgou uma lista de lotes de marcas de café torrado que foram considerados impróprios para consumo, após análise do Departamento de Inspeção do órgão.
Com as mudanças no rótulo, fica mais fácil para o consumidor avaliar como foi preparado o grão da marca, se ela está de acordo com as normas e qual produto é mais adequado ao seu gosto.
Confira a seguir algumas dicas para entender como deve ler o rótulo, segundo o barista e especialista em café Anderson Meireles, ouvido pelo g1.
☕Um café de qualidade deverá ter o selo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), que atua como um órgão classificador de café torrado e moído. O selo não é obrigatório e é concedido apenas aos associados que passaram pela análise da entidade.
A classificação da Abic segue o padrão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que prevê no máximo 1% de impurezas — como galhos e folhas da planta do próprio café — junto ao produto.
☕Após identificar o selo da Abic, o consumidor deve entender qual tipo de café ele prefere consumir. O selo deve informar o tipo de café: extraforte, tradicional, superior, gourmet e especial.
Por exemplo, o tipo extraforte é mais recomendado para quem prefere mais amargor no sabor. Já os consumidores que gostam da bebida mais doce, com notas frutadas, alta acidez e menos intensidade de amargor devem escolher o produto do tipo gourmet ou especial.
☕O próximo passo é consultar na embalagem qual a espécie do grão usada para a fabricação do produto, informação obrigatória nas embalagens segundo a nova norma. As espécies mais comuns são arábica e a canéfora, que normalmente é comercializada nas variedades robusta e conilon. Para escolher, considere o seguinte:
arábica proporcionará uma bebida mais floral, frutada, com mais doçura e menos cafeína;
canéfora terá sabores que lembram um chá preto, cacau e amendoim.
☕Então, o consumidor deverá escolher o tipo de torra, também informação obrigatória. Para isso, é preciso considerar que, quanto mais escura for a torra, mais amargor terá o café, uma vez que o processo é de caramelização dos açúcares do grão, que pode envolver a queima. Dessa forma, a classificação fica da seguinte maneira:
clara entrega uma bebida com acidez, doçura e menos amargor;
média, se trata de um café com mais equilíbrio, com notas mais caramelizadas, mas sem tanto amargor ou acidez;
escura tem mais amargor, menos doçura e menos acidez.
☕As embalagens também devem indicar se o café é classificado como "fora do tipo", que são produtos que geralmente têm mais impurezas do que o permitido e, por isso, não recebem o selo da Abic. Para Meirelles, este tipo de café não deve ser consumido.
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‘Tiraria meu dinheiro dos EUA e botaria em mercados emergentes como Brasil’, diz investidor pioneiro em crítica aos Brics

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Em 2012, Ruchir Sharma disse que futuro da economia do Brasil não era promissor. Em novo livro, ele agora se diz preocupado com economia americana. Ruchir Sharma é diretor de empresa de gestão de riquezas, autor de livros e colunista do jornal Financial Times.
Getty Images via BBC
O real está no seu momento mais fraco dos últimos dois anos; prêmios de risco subindo no mercado; embates do presidente da República com o presidente do Banco Central; dúvidas no mercado sobre o compromisso do governo com metas fiscais.
A economia brasileira enfrenta o seu momento mais turbulento desde o começo do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023.
E os investidores estão reagindo a isso com reflexo nos preços. O mês passado foi o pior da bolsa brasileira neste ano.
Por isso, surpreendeu a frase do investidor e colunista do Financial Times Ruchir Sharma em entrevista à BBC News Brasil na semana passada: "eu retiraria meu dinheiro dos EUA e colocaria em mercados emergentes".
E quando ele fala em mercados emergentes, ele inclui também o Brasil na sua avaliação.
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Sharma faz a ressalva de que não acredita no modelo de crescimento do Brasil — e não acha que o desempenho país seja exemplar entre emergentes. Pelo contrário: ele segue pessimista em relação a economia brasileira.
O que acontece agora — segundo ele — é que na sua visão existe um otimismo exagerado dos mercados com a economia dos Estados Unidos, o que fez encarecer os preços dos papéis americanos. Já os emergentes, ele acredita, estão subvalorizados além da conta.
Haveria, portanto, espaço nos próximos cinco a dez anos para ganhar dinheiro com esse descompasso. Ele acredita que é o momento para se retirar dinheiro investido nos EUA e colocá-lo em mercados emergentes diversos — o que inclui o Brasil.
Visão invertida
Ruchir Sharma ficou famoso no começo da década passada por dizer justamente o oposto do que está recomendando agora.
Entre 2010 e 2012, ele resolveu viajar por diversos países emergentes em busca do próximo milagre econômico.
Existia na época um enorme otimismo com países como o Brasil — e até previsões de que, coletivamente, os grandes emergentes um dia superariam em riqueza os países desenvolvidos.
Sharma queria conferir tudo isso com seus próprios olhos.
No entanto, em suas viagens, Sharma concluiu o oposto. Seu livro de 2012, Breakout Nations: In Pursuit of the Next Economic Miracle ("Países Emergentes: Em Busca do Próximo Milagre Econômico", em tradução livre), fez sucesso entre economistas em parte por ser um dos primeiros a questionar a empolgação exagerada com os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, além de novos membros mais recentes).
O Brasil, segundo ele, não resistiria ao fim do ciclo das commodities e voltaria ao padrão de baixo crescimento.
A China pararia de crescer em dígitos duplos, afetada pelo alto endividamento do país.
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Mesmo a Índia — o país mais promissor entre os Brics, segundo Sharma — teria apenas 50% de chances de um milagre econômico, considerando os problemas crônicos de corrupção e burocracia.
Sua conclusão foi que o próximo milagre econômico aconteceria não nos emergentes, mas sim nos Estados Unidos — um país que continuava possibilitando que seus empreendedores praticassem a chamada “destruição criativa”.
Segundo esse conceito que remonta a Karl Marx e Joseph Schumpeter, novas empresas e novas tecnologias “disruptivas” surgem e aniquilam o que existia antes.
Esse processo seria a base fundamental do capitalismo que garante o progresso da humanidade.
Algumas das previsões de Sharma se provaram corretas.
Mas hoje, 12 anos depois do primeiro livro, Sharma acredita que a situação se inverteu. Para ele, existe um otimismo exagerado com a economia americana — que estaria dando sinais de falhas no seu capitalismo.
E ele vê em países emergentes do Leste Europeu e da América Latina — inclusive no Brasil — oportunidades um pouco melhores de investimento do momento.
Sharma deixa claro que segue não acreditando no modelo de crescimento brasileiro, que critica por ser dependente demais da intervenção do Estado (“o país está emergindo desde sempre”).
E afirma que investiria no Brasil e outros emergentes apenas como forma de diversificar dinheiro que está nos EUA — e não pelos fundamentos desses países.
O problema da economia americana é tema do seu novo livro, lançado este ano — What Went Wrong With Capitalism (“O Que Deu Errado no Capitalismo”, em tradução livre). Sharma argumenta que, nos últimos cem anos, a intervenção do governo na economia cresceu demais.
Em tese, isso serviria para melhorar a vida de todos. Mas Sharma argumenta que o excesso de estímulos financeiros, subsídios e injeção de recursos na economia é prejudicial sob diversos aspectos.
Um dos problemas, segundo ele, é que incentivos financeiros do governo acabam beneficiando as grandes multinacionais e as elites — porque maior liquidez no mercado provoca aumento de preço de ativos e imóveis, que estão justamente na mão dos mais ricos.
Outro problema é que estímulos criam inflação e aumentam os juros — e os efeitos econômicos disso são, novamente, o aumento da desigualdade.
Mas o principal defeito dos estímulos econômicos do governo, para Sharma, é que eles prejudicam a inovação e a destruição criativa — que são as bases do capitalismo.
Segundo ele, os mercados hoje estão viciados em estímulo financeiro — um pouco como pacientes ficaram viciados em opioides nos EUA por não tolerarem mais dor.
Para o autor, o excesso de estímulos criou “empresas zumbis” — negócios que já deveriam ter quebrado e sido substituídos por ideias inovadoras, mas que sobrevivem graças a auxílios governamentais que só atrasam o capitalismo.
Outro problema do capitalismo atual é a sensação de insatisfação que provoca na maioria das pessoas — e que, para Sharma, explica as tensões políticas que o mundo vive hoje.
Ainda pessimista, ele vê poucas respostas sendo dadas pelos políticos em diversos países do mundo — tanto os que estão no poder como os que estão na oposição.
Sharma não acredita que o mundo pode voltar ao século 19, em que o governo praticamente não agia na economia.
Para ele, a solução para os problemas do capitalismo passa por governos e bancos centrais mais cautelosos e menos propensos a conceder estímulos. Ou seja: dando maior liberdade econômica aos agentes privados.
Sharma nasceu na Índia e trabalhou como colunista de economia no começo de sua carreira. Foi estrategista-chefe global do banco de investimentos Morgan Stanley.
Hoje ele é diretor da empresa de gestão de fortunas Rockefeller International e colunista do jornal Financial Times.
Ele conversou com a BBC News Brasil sobre os desafios do capitalismo e da economia global.
BBC News Brasil: Você escreveu um livro que critica a expansão sem precedentes do tamanho dos governos. E o livro foi pensado durante a pandemia, justamente quando o mundo clamava por governos grandes, para que ajudassem em um momento de dificuldades. Será que era o melhor momento para se criticar governos grandes?
Ruchir Sharma: Os governos se sentiram muito empoderados para fazer os lockdowns e adotar medidas draconianas, em parte porque eles tinham grande confiança que não provocariam nenhum dano econômico com isso — porque eles podiam continuar estimulando a economia em uma escala inédita.
Nunca na história houve tanto estímulo sendo dado. Houve desastres naturais e pandemias antes. Mas nunca houve tanto estímulo financeiro. As pessoas ficavam em casa recebendo cheques do governo — inclusive as pessoas mais ricas. Pessoas com renda superior a US$ 100 mil (cerca de R$ 540 mil) por ano recebiam cheques nos Estados Unidos. Houve mau uso por parte de alguns negócios.
E houve um dilúvio de liquidez que o banco central americano botou no sistema. Em certo momento, o governo estava comprando papéis da Berkshire Hathaway [empresa de investimentos de Warren Buffet, um dos homens mais ricos do mundo] e créditos com baixo risco. Era uma compra sem critérios.
Fiquei assustado com o tamanho do envolvimento do governo e me fez pensar o quanto o capitalismo mudou nos últimos cem anos.
BBC: O tamanho do estímulo durante a pandemia foi inédito, mas também o tamanho da crise foi inédito. Tirando exageros que foram cometidos, não era importante que os governos agissem com estímulos naquele momento?
Sharma: Sim, mas acho que o problema não foi só o que aconteceu durante a pandemia. É quanto tempo durou depois e as consequências disso. Mesmo depois que a pandemia passou, em 2021 e 2022, os governos continuaram estimulando a economia.
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No ano passado, segundo algumas estimativas, o estímulo fiscal respondeu por um terço do crescimento econômico dos EUA. Isso em pleno 2023.
Então quando se começa a fazer isso, fica difícil parar. E o governo não parou.
Talvez fosse a coisa a fazer no calor do momento [da pandemia], mas essa ação continuou por muito tempo. Agora a inflação está aniquilando a poupança de muitas pessoas. E até agora a inflação ainda não voltou ao patamar pré-pandemia.
Então os efeitos disso têm sido duradouros.
BBC: O mundo hoje está sofrendo porque os governos agiram demais?
Sharma: A ideia do livro é mais profunda do que apenas isso. É sobre como o envolvimento do governo na economia mudou ao longo de cem anos. Nos EUA, por exemplo, há cem anos o gasto governamental representava apenas 3% do PIB. Hoje ele está em 36% e sempre esteve em crescimento.
BBC: Você compara os estímulos do governo à crise de opioides nos EUA, em que se passou a tomar mais remédios contra a dor e isso deixou as pessoas viciadas. Os governos estão viciados em dar estímulos para evitar dores econômicas?
Sharma: É a analogia perfeita. Nos EUA, existe uma crise de opioides porque as pessoas estão viciadas em drogas. Porque para qualquer tipo de dor, se receita uma droga. E a dor aumenta, e se receita mais drogas. E as pessoas acabam viciadas. É algo que os médicos estão percebendo que é um problema.
Vejo a mesma coisa acontecendo na economia agora, com a escala da intervenção. A qualquer sinal de dor, os mercados desabam 5% e dizem: o Banco Central americano precisa fazer alguma coisa rapidamente. É essa cultura de administração da dor que agora chegou no ciclo econômico.
BBC: Mas qual seria a solução para isso? Menos estímulos? Menos intervenção dos bancos centrais? Isso melhoraria o capitalismo?
Sharma: O primeiro passo é diagnosticar o problema. Primeiro, vamos entender qual é o problema que provoca essa campanha de estímulos e de se resgatar empresas do setor privado. Um dos problemas é que se cria muitas regulações, e não se extingue as anteriores.
A quem isso tudo beneficia? A sociedade? Ou as grandes empresas que têm capacidade de manipular o sistema para obter as regulações?
Muitas das pessoas que estão à esquerda do espectro político pensam: vamos aumentar o tamanho do governo, criar mais legislações, gastar mais dinheiro.
No caso do governo Biden, ele falou que precisamos acabar com a cultura do governo pequeno e precisamos de mais governo. Mas quando o governo foi pequeno?
Mostro no meu livro como ele cresceu. Para mim, a solução óbvia é que precisamos reequilibrar as coisas. Não podemos voltar para o século 19, onde o capitalismo funcionava laissez-faire, sem bem-estar social de Estado, e em que os governos não tinham nenhum papel no ciclo econômico, salvo em momentos de pânico. O papel do governo era mínimo.
Eu não acho que podemos voltar a isso, mas certamente podemos voltar a ter algum tipo de equilíbrio, senão os custos vão continuar crescendo. E quais são os custos até agora? Não tivemos uma crise de dívida, mas há outros custos. Um deles é que o crescimento da produtividade no mundo ocidental, incluindo nos EUA, está em decadência nos últimos 30 ou 40 anos. E esse é um custo real, porque o capitalismo destrutivo, que é a base da economia, está ficando comprometido por esse tipo de capitalismo distorcido.
Outro custo que pagamos é que a maioria das pessoas sente que o sistema é manipulado contra elas. Muitas pessoas nos EUA e no Ocidente dizem que sentem que o mundo está tomando o rumo errado. Mesmo nos EUA, onde o crescimento econômico é satisfatório, muitas pessoas sentem que isso só está beneficiando uma elite no topo. Não está beneficiando as pessoas em todas as faixas de renda.
BBC: Uma expressão que você usa é socialismo para os muito ricos, sugerindo que os gastos governamentais produzem mais desigualdade. Como isso funciona?
Sharma: Não é socialismo apenas para os ricos. É socialismo para todos. O risco foi socializado para todos. Socialismo para os ricos é um slogan popular entre os Bernie Sanders [político americano de esquerda] deste mundo. Eu digo que em parte é verdade, mas que o risco foi socializado pela sociedade.
O que digo no livro é que [a norma hoje é que] ninguém pode quebrar, porque se alguém quebrar, isso provoca um efeito dominó na cadeia. É esse o pensamento corrente.
E como isso provoca desigualdade? Primeiro, quando o governo intervém ou cria novas regulações, os maiores beneficiados são as grandes corporações. Eu falo com muitos negócios pequenos e médios e eles me dizem que o custo de fazer negócios cresceu por causa da carga regulatória que agora é maior.
Em segundo lugar, estas grandes corporações têm poder máximo de lobby em Washington e conseguem a regulação escrita do jeito que querem.
E em terceiro, quando o banco central americano joga liquidez no sistema, como aconteceu durante a pandemia, o maior ganho de riqueza acontece entre os mais ricos.
A liquidez infla os preços dos ativos e essa inflação beneficia os ricos que possuem esses ativos — ações, títulos e propriedades.
A pessoa comum se sente desfavorecida, porque fica mais caro para ela comprar casa ou pagar empréstimo imobiliário, porque os preços subiram tanto. E vimos uma inflação imobiliária muito grande nos últimos anos, especialmente nos EUA depois da pandemia.
BBC: Mas se os riscos são socializados entre todos, o estímulo do governo não melhora a vida de todo mundo — ricos e pobres —, em tese? Mesmo que os ricos acabem ganhando mais, em relação aos demais?
Sharma: O inferno é cheio de boas intenções. Sim, a intenção pode ser boa. Mas se todos estivessem sentindo que estão melhor de vida, por que as pesquisas mostram um cenário tão ruim? Por que só 35% dos americanos acreditam que estarão melhor financeiramente do que seus pais — quando há 50 anos 80% dos americanos acreditavam que estariam melhor do que seus pais?
Por que 70% dos americanos sentem que querem acabar com o sistema ou mudá-lo?
Se a maré alta estivesse realmente levantando todos os barcos, as pessoas estariam felizes e não estariam sentindo que o sistema é manipulado contra elas e que precisa ser derrubado.
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BBC: Nas democracias, as pessoas podem votar. O que os políticos estão prometendo? Alguém se propõe a salvar o capitalismo?
Sharma: Não. O problema é que políticos só agem quando o país está em crise. Na América Latina você vê que as melhores reformas só são aprovadas quando o país está completamente em crise. Quando tudo parece bem na superfície, não há crise aparente.
Não há motivo para os políticos mudarem nada só por romantismo, e quando eles chegam a Washington eles são consumidos pelo Estado.
Um exemplo clássico é Trump. Ele se coloca como antiestablishment e isso agrada muitas pessoas. Mas, como mostro no meu livro, uma das propostas boas que ele tinha era retirar duas novas regulações para cada nova regulação que fosse criada.
Ele prometeu isso. Mas no final do seu mandato, Trump tinha criado tantas regulações quanto seus antecessores, como Obama. Não houve mudança.
É muito difícil mudar essa cultura quando até pessoas como Trump falam uma coisa, mas não cumprem depois de eleitos. Ele não fez nada para cortar gastos ou regulações.
BBC: Vamos falar sobre Brasil. Há alguns anos, você escreveu um livro em que buscava o novo milagre econômico entre os países emergentes. Na época, você disse que o otimismo internacional com o Brasil estava ligado apenas ao ciclo de commodities, e que esse otimismo passaria depois que o ciclo acabasse. Na época, isso foi controverso, mas parece ter se confirmado. Você acha que a economia do Brasil está fadada ao fracasso, entre os emergentes?
Sharma: O Brasil está emergindo desde sempre. Há 200 países no mundo, e só 40 deles são classificados como desenvolvidos. Todos os demais são emergentes.
O Brasil tem uma abordagem bem estatizante, com muito envolvimento do governo. Eu sigo acreditando no que disse em meu livro de 2012.
Nada mudou. O Brasil, nos últimos dez ou doze anos, fez algumas correções de curso no lado fiscal. Mas agora, de novo, as pressões no lado fiscal estão aumentando.
Mas nada mudou fundamentalmente no Brasil. Houve algumas mudanças positivas. O setor agrícola está com um desempenho melhor, com um boom de produtividade.
No entanto, no geral, muito pouco mudou no Brasil na década.
BBC: Pode-se dizer que pouco mudou? Ao longo dos últimos anos, o Brasil aprovou diversas reformas — trabalhista, previdenciária e em outras áreas. E isso sob governos de diferentes orientações políticas. Por que dizer que pouco mudou?
Sharma: Houve mudanças. E isso impediu o Brasil de ter uma crise fiscal. Mas o que eu digo que não mudou é o modelo fundamental de crescimento do Brasil. Eles fizeram o suficiente para evitar um problema fiscal em momentos críticos, mas novamente o endividamento está crescendo e investidores estrangeiros estão preocupados com a interferência do governo na economia.
Esse envolvimento do Estado e a baixa produtividade no Brasil fazem com que eu não veja mudanças no país.
BBC: Há doze anos, você estava em busca do próximo milagre econômico. Você encontrou?
Sharma: Eu tinha bastante otimismo com o leste da Europa no livro. Citei a Polônia e a República Checa como países que poderiam virar países desenvolvidos. Eu ainda acredito nisso, em parte. Sobre os quatro Brics [inicialmente, eram só Brasil, Rússia, Índia e China], eu era bastante pessimista quanto ao Brasil e Rússia, e com sentimentos mistos em relação à China. Nos últimos anos, meu pessimismo com a China cresceu e eu escrevi bastante sobre como vejo o modelo econômico chinês saindo dos trilhos.
Tenho um pouco menos de pessimismo com a Índia do que quando escrevi o livro. E a Índia tem tido desempenho econômico satisfatório em termos gerais. Nenhum país é perfeito.
No meu último livro, eu falo de três países onde o capitalismo ainda está funcionando: Suíça, Taiwan e Vietnã.
O motivo pelo qual escolhi esses três países é porque eles estão em níveis de renda diferentes.
A Suíça é muito rica — talvez o país mais rico do mundo — e um dos mais economicamente livres do mundo. Taiwan é um bom exemplo, porque lá o gasto do governo representa apenas 20% do PIB. E eles gastam muito bem esses 20%. Taiwan, se você lembrar, foi um dos países muito elogiados pela forma como lidou com a pandemia, com seu Estado tecnológico.
E, finalmente, temos o Vietnã, que é um país relativamente pobre, mas que tem dado liberdade econômica para seu povo. E temos visto o Vietnã crescer no nível de renda nas últimas décadas.
Esses são exemplos. Esses países oferecem maior liberdade econômica — e liberdade econômica para mim é o que permite fazer com que o capitalismo funcione.
No meu livro de 2012, eu disse que havia otimismo exagerado com países emergentes, sobretudo os Brics. E concluí que o grande país do milagre na época eram os EUA.
Terminei o livro lamentando não ter investido seguindo esse preceito, porque o único país onde as pessoas realmente ganharam muito dinheiro nos últimos anos foi nos EUA.
Mas agora nestes últimos dois ou três anos, em particular no mundo pós-pandemia, eu acredito que os EUA também estão exibindo muitas falhas. A dívida e os déficits recebem muita atenção, mas existe uma corrosão do capitalismo, que foi o que me motivou a escrever esse livro.
BBC: Mas há quem diga que os EUA não estão tão mal. A economia segue crescendo, as bolsas estão em níveis recordes e ainda há empresas novas praticando a destruição criativa. Onde estão as falhas?
Sharma: Sim, os EUA ainda têm muitas qualidades, sem dúvida. Mas o tipo de capitalismo americano está prejudicado.
A falha que vejo é que, apesar de tudo que acontece na superfície, as pessoas nos EUA estão infelizes. Muitos jovens americanos de hoje — sobretudo os democratas — dizem que preferem o socialismo ao capitalismo. As pesquisas mostram isso.
Se tudo estivesse bem com o capitalismo, esses jovens também estariam comemorando. O que está acontecendo? Para mim, era impensável que jovens americanos fossem preferir socialismo ao capitalismo. Quem imaginaria?
E outra falha inacreditável, apesar de a economia estar indo bem, é que existe uma concentração de riqueza inacreditável acontecendo nos EUA.
BBC: E como lidar com essas falhas? Se os políticos estão só atendendo o que os eleitores querem, como quebrar esse ciclo?
Sharma: Os eleitores estão pedindo que algo seja mudado, que algo radical seja feito. Eles não estão satisfeitos com o status quo.
BBC: E o que seria isso?
Sharma: Não vejo uma resposta para isso. Porque mesmo nos EUA hoje a escolha é entre dois líderes que muitos americanos não veem como a melhor escolha.
Pesquisas mostram que os americanos gostariam de ter outras opções, mas ninguém conseguiu surgir [no cenário político americano] com essa configuração.
Então virou uma disputa muito polarizada entre duas personalidades, em vez de uma disputa de políticas substanciais. Nenhum dos lados está oferecendo uma solução nova ou diferente.
BBC: Você trabalha em um mundo de dinheiro. Onde você botaria seu dinheiro hoje em dia?
Sharma: Quando escrevi meu livro [de 2012], eu estava bastante pessimista em relação aos países emergentes. E eu estava mais “bullish” [recomendando investimentos mais agressivos] com os EUA.
Acho que hoje tenho a visão oposta. Os [investimentos nos] EUA estão sendo superestimados por todos. Ainda assim, a grande incoerência no mundo é que os EUA representam 26% do PIB global. Mas representam mais de 50% da capitalização de mercado global. Nos índices MSCI [índices de ações do mundo todo], os EUA representam 65% da capitalização.
Acho que tem algo errado com isso. Com base nisso, eu retiraria meu dinheiro dos EUA e colocaria em mercados emergentes, que eu acho que tiveram desempenho ruim nos últimos dez, doze anos. E os retornos podem ser bem melhores nos próximos cinco a dez anos. Isso inclui lugares como Leste Europeu e até mesmo na América Latina, como no México ou na Argentina. Ou até mesmo no Brasil.
Sinto que alguns desses lugares estão subestimados neste momento. Então sinto que há oportunidades reais hoje em termos de investimento, que é comparar: o que os mercados veem e o que eu vejo.
Eu vejo mais oportunidades em mercados emergentes hoje do que vejo nos EUA. Há uma década era o oposto.
BBC: Até mesmo no Brasil?
Sharma: Eu não estou otimista em relação aos fundamentos do Brasil, mas estaria procurando formas de diversificar fora dos EUA hoje em dia. O Brasil não é uma das minhas principais escolhas.
BBC: Você mencionou México. Por quê?
Sharma: Não acho que estejam fazendo reformas fundamentais, mas estão sob pressão finalmente. No México há incertezas porque não se sabe como será o novo governo.
Mas eles estão se beneficiando enormemente do boom de terceirizações, que é a estratégia China Plus One [em que empresas investem em outros países que não a China, para diversificar seus riscos e diminuir a concentração na China].
O México se beneficia muito com isso e tem mostrado resistência na economia, apesar de juros altos e demanda apenas razoável.

Álcool ou gasolina: veja qual combustível compensa mais no seu estado

Juros nos EUA, cenário fiscal e declarações de Lula: veja a cronologia da disparada do dólar
Calculadora do g1 mostra que, em geral, a relação entre preços está melhor para quem opta por abastecer com gasolina; faça a simulação para os preços do seu posto. Posto de gasolina combustível
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O preço médio do etanol subiu 10% nos postos de combustíveis do país desde o início do ano. Com isso, a gasolina está mais vantajosa em 18 estados para abastecer veículos flex, enquanto o álcool está valendo mais a pena em 8 estados e no Distrito Federal.
É o que mostra a calculadora de combustíveis do g1, com base nos preços médios nos postos encontrados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) na última semana.
A calculadora do g1 considera o preço e o rendimento de cada combustível. Segundo especialistas, em geral, o etanol é mais vantajoso quando está custando até 70% do preço da gasolina. (entenda mais abaixo)
Veja abaixo qual combustível compensa mais em cada estado:
Preços médios do etanol e da gasolina nos estados e no DF, em R$
De acordo com o diretor-executivo da AbriLivre, Rodrigo Zingales, o ambiente mais favorável para a gasolina em alguns estados pode ser justificado, entre outros pontos, pelo seguinte movimento:
alta no preço do etanol vendido pelo produtor à distribuidora, o que eleva o custo do combustível nos postos;
política de preços da Petrobras, que ajuda a segurar o repasse dos aumentos da cotação do petróleo no mercado internacional;
e custos de importação ainda comportados, o que ajuda a manter os preços da gasolina.
"Em junho, a partir da MP que impediria a compensação da PIS/Cofins, distribuidoras anunciaram altas na gasolina, no diesel e no etanol", diz Zingales. As altas, em princípio, não afetaram a competitividade entre etanol e gasolina. Chamada de MP da compensação, a medida não evoluiu no Congresso Nacional.
O levantamento feito pelo g1 considera o preço médio por estado, com base nas pesquisas feitas pela ANP ao longo da semana de 23 a 29 de junho. Na calculadora abaixo, você pode conferir qual combustível mais vale a pena de acordo com os preços exatos que você encontrar no posto.
Faça o cálculo abaixo:

Como funciona a calculadora?
O cálculo da ferramenta do g1 é o seguinte: quando você seleciona e insere o preço do álcool, esse valor é dividido por 0,70 — ou seja, 70%. Já no caso da gasolina, o preço é multiplicado por 0,70.
Por que a regra dos 70%?
O professor Marcelo Alves, do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli/USP explica que esse cálculo é baseado no poder calorífico dos combustíveis, que significa a quantidade de energia existente na molécula de cada um deles.
Moléculas são propriedades de uma substância composta por um ou mais átomos. Os átomos são, por sua vez, formadores de matéria. Ou seja, tudo aquilo que ocupa espaço e possui massa.
"O poder calorífico significa, portanto, o quanto você consegue extrair de energia por massa de combustível. Ou seja, por unidade de massa de combustível", diz.
Entenda a lógica da calculadora do g1 para o valor do combustível
O professor elenca ainda outras especificações, considerando a densidade (relação entre a massa de um material e o que ele ocupa) de cada combustível. "Em um dia frio, por exemplo, tanto a gasolina quanto o álcool ficam mais densos, e essa variação de densidade não é igual para os dois."
"A regra dos 70%, portanto, é válida como um número indicativo, baseado em um dado empírico [confirmado a partir de experiências]", reforça.
Ele esclarece ainda que pode haver uma diferença conforme cada veículo, incluindo se o sistema de injeção de combustível no motor for otimizado para queimar etanol ou gasolina.
"Portanto, o motorista precisa analisar uma média para o seu próprio carro", sugere.

Juros nos EUA, cenário fiscal e declarações de Lula: veja a cronologia da disparada do dólar

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O avanço mais recente da moeda norte-americana tem sido atribuído, principalmente, às questões internas, com foco nas repetidas declarações Lula — cujo tom tem desagradado agentes do mercado financeiro. Notas de dólar.
Reuters
Quem tem acompanhado o noticiário percebeu que o principal destaque é a disparada do dólar. E nesta terça-feira (2) não foi diferente. A moeda norte-americana teve uma nova alta, de 0,22%, e fechou cotada a R$ 5,66 — o maior valor em dois anos e meio. Só em 2024, o aumento já é de 16,75%.
O avanço mais recente do dólar tem sido atribuído por especialistas, principalmente, às repetidas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo tom tem desagradado agentes do mercado financeiro. Hoje, o presidente chegou a afirmar que "há um jogo de interesse contra o real".
Grande parte das falas de Lula tem sido de fortes críticas sobre a atuação do Banco Central do Brasil (BC) e, em especial, do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto.
Mas outros fatores importantes também têm entrado na conta do dólar, como a queda na expectativa de cortes nos juros dos Estados Unidos e o cenário fiscal brasileiro, em meio ao desafio do governo de buscar o déficit zero em 2024 (ou seja, ter gastos ao menos iguais à arrecadação).

Ainda no cenário externo, a corrida pela Casa Branca também está no radar. Investidores estão avaliando os possíveis resultados nas eleições norte-americanas, em que Joe Biden tenta a reeleição contra Donald Trump, que busca voltar ao cargo quatro anos após o fim de seu governo.
Para especialistas, um eventual retorno de Trump à presidência dos EUA pode representar queda de impostos e um avanço do protecionismo na maior economia do planeta. Os resultados tendem a ser uma taxa de juros mais alta no país, fortalecendo, assim, o dólar.
Fatores como os juros dos EUA e as eleições são temas que afetam não só a moeda brasileira, mas todas as nações emergentes — que sentem o avanço do dólar a nível mundial. A questão, no entanto, é que a arrancada está mais veloz no Brasil por questões internas.
Veja abaixo a cronologia da disparada do dólar, com os principais fatos que a causaram:
▶️ 7 de junho: dólar vai a R$ 5,32
Naquela sexta-feira, o dólar subiu 1,42% e fechou a R$ 5,3242, o maior patamar em mais de um ano e meio. Na ocasião, o foco foi externo: investidores seguiram de olho nos sinais sobre o futuro dos juros dos Estados Unidos.
As incertezas sobre a postura do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) na condução dos juros do país ocorreram porque, naquele dia, dados do mercado de trabalho no país vieram mais fortes do que o esperado.
Mais vagas de empregos e salários mais altos significam uma economia mais aquecida, o que pode resultar em uma inflação mais elevada. Essa é a lógica considerada pelo Fed para manter os juros do país mais altos e, assim, tentar conter a inflação.
Mas como isso impacta o dólar? Juros mais altos nos Estados Unidos jogam a favor do dólar, já que tornam os rendimentos norte-americanos mais atraentes para investidores estrangeiros. Ou seja, se investidores tiram dólar do Brasil e levam aos EUA, o real perde força.
▶️12 de junho: dólar chega a R$ 5,40
Quarta-feira, Dia dos Namorados no Brasil e dia de decisão sobre os juros nos Estados Unidos. Mas o clima não foi tão amável para a moeda brasileira: o dólar engatou a 4ª alta seguida e fechou cotado a R$ 5,4066, sob impactos externos e internos.
Lá fora, o Fed decidiu manter os juros dos EUA inalterados em uma faixa de 5,25% a 5,50% ao ano. A leitura mais importante, no entanto, ficou com a sinalização da autoridade monetária sobre o futuro dos juros norte-americanos.
A indicação foi que os responsáveis pela política monetária do país pretendem cortar a taxa de juros apenas uma vez até o final 2024. Com isso, ficou a estimativa de apenas um corte de 0,25 p.p (ponto percentual) este ano. E juros mais altos favorecem a força do dólar.
O destaque interno ficou com Lula. O mercado inverteu o sinal positivo após o presidente discursar em um evento, defendendo que a economia não pode deixar de lado o social.
"Todos os debates que se fazem se tratando de economia, a gente fala de um monte de coisa, mas me parece que os problemas sociais não existem. Eles existem. Estão nos nossos calcanhares, estão nas nossas portas, estão nas ruas", disse Lula.
Foi a primeira declaração do presidente sobre as pressões que o governo já vinha sofrendo para que reduzisse gastos. Na visão do mercado financeiro, não há uma predisposição da gestão Lula para o controle fiscal. E a resposta veio em mais uma alta da moeda norte-americana.
Lula: estamos colocando as contas em ordem
▶️ 18 de junho: dólar a R$ 5,43
Naquela terça-feira, o dólar fechou em alta de 0,22%, cotada a R$ 5,4335, após uma entrevista de Lula à Rádio CBN, em que ele critica o BC e seu presidente, Roberto Campos Neto.
Na ocasião, Lula disse que o BC é a "única coisa desajustada" no Brasil e que o presidente da instituição "trabalha para prejudicar o país".
"Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está", afirmou Lula.
Lula disse que Campos Neto tem pretensões políticas, e sugeriu que ele pode assumir um cargo no Governo do Estado de São Paulo quando seu mandato no BC acabar.
"A quem esse rapaz é submetido? Como vai a festa em SP quase assumindo candidatura a cargo no governo de SP? Cadê a economia dele?", questionou o presidente, fazendo menção a um encontro de Campos Neto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
O mandato de Campos Neto acaba em 2024, e Lula afirmou que vai indicar para seu lugar alguém com "compromisso com o crescimento do país".
Em 19 de junho, a moeda brasileira ultrapassou a da Argentina e a do Japão e saltou da 7ª para a 5ª colocação entre as que mais se desvalorizaram frente ao dólar.
'Só temos uma coisa desajustada no Brasil: é o comportamento do Banco Central', diz Lula
▶️ 20 de junho: dólar a R$ 5,46
A alta de 0,38% naquela quinta-feira levou o dólar a R$ 5,46, marcando, então, o maior nível da moeda norte-americana já registrado no governo Lula.
O movimento acompanhou o avanço da moeda no exterior, em dia de alta dos rendimentos dos Treasuries (títulos do Tesouro norte-americano). Investidores também repercutiram as falas de Lula após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que havia acontecido um dia antes, sobre os juros no país.
O colegiado tinha decidido manter a Selic, taxa básica de juros, inalterada em 10,50% ao ano. O presidente lamentou a decisão dos diretores e afirmou que o povo brasileiro é quem mais perde.
"A decisão do Banco Central foi investir no mercado financeiro e nos especuladores. Nós queremos investir na produção", afirmou Lula durante entrevista à Rádio Verdinha, em Fortaleza.
Lula diz que decisão do Copom foi 'uma pena'
▶️ 26 de junho: dólar a R$ 5,51
Na última quarta-feira (26), o dólar fechou em alta e chegou a R$ 5,5188, maior nível desde janeiro de 2022. Era dia de novos dados da prévia da inflação brasileira, que veio abaixo das expectativas, mas com aumento preocupante em preços de alimentos e núcleo de serviços.
Também foi mais um dia marcado por fala de Lula, que voltou a criticar a decisão de juros, tomada pelo Copom uma semana antes. O presidente disse ainda que o governo está analisando os cortes de gastos.
"O gasto está sendo bem feito? O dinheiro está sendo utilizado para alguma coisa que vai melhorar o futuro deste país? Eu acho que está", disse o presidente.
"Nós estamos agora fazendo uma análise aonde é que tem gasto exagerado, aonde é que tem gasto que não deveria ter, aonde é que tem pessoas que não deveriam receber e que estão recebendo. Isso com muita tranquilidade, sem levar em conta o nervosismo do mercado. Levando em conta a necessidade de manter política de investimento."
Segundo Lula, a questão não é cortar, mas ter um panorama claro do que fazer. "O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se a gente precisa aumentar a arrecadação", continuou.
Na visão do mercado financeiro, essa relativização da necessidade de cortar gastos significa uma relutância do governo, o que poderia comprometer o controle fiscal.
Naquela quarta-feira, também entrou na conta do dólar uma declaração de Michelle Bowman, diretora do Federal Reserve. Ela reiterou sua opinião de que manter a taxa de juros dos Estados Unidos estável "por algum tempo" provavelmente será suficiente para deixar a inflação sob controle.
Recapitulando: a tendência de juros norte-americanos elevados por mais tempo também pesa contra o real.
▶️ 28 de junho: dólar a R$ 5,58
Na sexta-feira, o câmbio teve mais um dia ruim após Lula voltar a criticar o Banco Central. Em entrevista à rádio O Tempo, o presidente disse que o patamar de juros no Brasil "vai melhorar" quando ele indicar o próximo presidente do BC.
A declaração traz receio ao mercado, que entende a fala como uma sinalização de que o novo presidente vai promover quedas forçadas na taxa básica de juros, a Selic.
Um dia antes, outras falas do presidente já tinham repercutido mal — com reflexos negativos no real. Lula criticou as perspectivas de investidores e do mercado financeiro sobre uma aposta no enfraquecimento da moeda brasileira e em uma piora da economia brasileira.
"Quem estiver apostando em derivativo vai perder dinheiro nesse país. As pessoas não podem ficar apostando no fortalecimento do dólar e no enfraquecimento do real", declarou.
A sucessão de falas do presidente resultou em uma alta de 2,71% do dólar na última semana, quando fechou cotado a R$ 5,5884.
▶️ 1º de julho: dólar a R$ 5,65
O início de julho não foi diferente. Com mais uma alta de 1,15% na segunda-feira (1º), a moeda norte-americana fechou cotada a R$ 5,65, atingindo seu maior valor em dois anos e meio.
Novas declarações de Lula foram, mais uma vez, o destaque da alta da moeda. Dessa vez, o presidente afirmou que o próximo presidente do Banco Central olhará para o Brasil "do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala".
"Estou há dois anos com o presidente do Banco Central do [ex-presidente Jair] Bolsonaro. Não é correto isso", afirmou, ponderando que a autonomia do BC foi aprovada pelo Congresso Nacional e será respeitada.
"Eu tenho que, com muita paciência, esperar a hora de indicar o outro candidato, e ver se a gente consegue ter um presidente do Banco Central que olhe o país do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala", acrescentou, destacando que "quem quer BC autônomo é o mercado".
Mais uma vez, a fala do presidente é vista pelo mercado financeiro como uma tendência de interferência na autoridade monetária, receio que fortalece o dólar frente ao real.
▶️ 2 de julho: dólar a R$ 5,66
Em entrevista à Rádio Sociedade, em Salvador (BA), Lula disse nesta terça-feira (2) que há um "jogo de interesse especulativo" contra o real e que a alta do dólar após as críticas feitas por ele ao BC e a Campos Neto "não têm explicação".
A moeda norte-americana fechou em alta de 0,22%, cotada a R$ 5,6652. Na máxima do dia, chegou a R$ 5,7007.
"É um absurdo. Obviamente me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país", afirmou Lula.
"Eu tenho conversado com as pessoas o que a gente vai fazer. Estou voltando quarta-feira, vou ter uma reunião. Não é normal o que está acontecendo", continuou.
O presidente também voltou a defender que o BC seja autônomo e reafirmou que Campos Neto tem viés político. "A gente precisa manter o Banco Central funcionando de forma correta, com autonomia, para que o presidente do Banco Central não fiquei vulnerável às pressões políticas", disse.
"Quando você é autoritário você resolve fazer com que o mercado se apodere de uma instituição que deveria ser do Estado. Ele não pode estar à serviço do sistema financeiro, ele não pode estar à serviço do mercado."
Além das falas de Lula, o mercado também ficou mais de olho na corrida eleitoral dos Estados Unidos. Nesta terça, o dólar avançou em relação às principais moedas de países emergentes em meio às preocupações de um fortalecimento de Donald Trump rumo à Casa Branca.
Lula faz novas críticas ao BC e dólar bate nos R$ 5,70, mas fecha em R$ 5,66