Instagram e Facebook usam suas fotos e textos para treinar IA: por que a prática está sendo questionada?

Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) alertou autoridades por conta de cinco possíveis violações da Meta. Para a entidade, a empresa pode ser multada em até R$ 50 milhões por infração por infringir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Meta passa a coletar dados das redes para IA. Saiba passo a passo para desativar
A forma como a Meta está usando dados de usuários de Instagram e do Facebook para treinar sua inteligência artificial (IA) viola leis brasileiras, na avaliação do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).
Parte do material usado pela Meta para ensinar seus modelos de IA inclui informações disponíveis publicamente nas redes sociais da empresa, como fotos e textos compartilhados pelos usuários – mensagens privadas não são incluídas nessa lista.
⚠️ Por que isso importa? Porque o conteúdo que você e milhões de pessoas postaram no Instagram e no Facebook está servindo para treinar inteligência artificial sem a empresa oferecer contrapartidas nem informações detalhadas sobre onde a ferramenta poderá ser usada.
A coleta das informações foi anunciada pela Meta no início do mês e é habilitada por padrão. Quem quiser proteger suas fotos e vídeos deve seguir um passo a passo nas configurações do Instagram ou do Facebook (veja como fazer).
O Idec alega que a Meta falhou porque não avisou usuários com antecedência, não foi totalmente transparente sobre a prática e não ofereceu um meio fácil e intuitivo de se opor à coleta de dados.
Por isso, a entidade alertou a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por meio de um ofício ao qual o g1 teve acesso em primeira mão.
O instituto entende que, se a violação for constatada, a Meta pode ser multada em até R$ 50 milhões por infração, como previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A Meta, por sua vez, afirma que o uso das informações para treinar uma inteligência artificial é de seu legítimo interesse, bem como de seus usuários e outras pessoas.
"Estamos comprometidos em desenvolver a inteligência artificial na Meta – nossa coleção de recursos e experiências generativas de inteligência artificial junto com os modelos que os alimentam – de forma segura, responsável e atendendo as regulações de privacidade no Brasil", disse a companhia ao g1 em 23 de junho.
A empresa foi procurada novamente para esta reportagem, mas não se posicionou até a publicação. Entenda o caso abaixo.
Como essa história começou?
O caso ganhou atenção em 4 de junho, depois que a Meta informou na União Europeia e no Reino Unido que a sua política de privacidade passaria a prever a possibilidade de usar dados de usuários para treinar sua IA.
Treinamentos de modelos de inteligência artificial envolvem o uso de grandes quantidades de dados e são necessários para que, em uma etapa seguinte, eles sejam capazes de analisar informações e até gerar conteúdo por conta própria.
Após repercussão negativa, a empresa voltou atrás e decidiu adiar a mudança na Europa para seguir a determinação de seu regulador na região, a Autoridade Irlandesa de Proteção de Dados (DPC, na sigla em inglês).
Mas a possibilidade ainda é prevista na política da empresa para o Brasil. "Usamos informações que estão publicamente disponíveis online e informações licenciadas. Também usamos informações compartilhadas nos produtos e nos serviços da Meta", diz o documento.
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O que pode estar errado?
Ainda de acordo com o Idec, a Meta viola determinações da legislação brasileira porque:
📢 Não comunicou usuários brasileiros antes da mudança, nem detalhou o objetivo do treinamento de IA, apesar de transparência e informação adequada serem direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor;
📊 O uso de dados de usuários para IA não é de interesse legítimo, um argumento usado pela empresa, já que, entre outros pontos, não é essencial para sua atividade;
🖥️ A opção que permite se opor ao uso dos dados é pouco intuitiva, o que dificulta que consumidores exerçam seus direitos – é necessário passar por várias telas para pedir que a coleta seja interrompida (saiba como fazer);
📝 A coleta das informações pode dar uma vantagem excessiva à empresa, por haver uma mudança desproporcional nas cláusulas do contrato que foi aceito pelos usuários;
💰 Os novos termos são um abuso de posição dominante, já que existem poucas empresas com tantos dados disponíveis para treinar uma inteligência artificial, dificultando uma concorrência justa.
Os pontos acima foram enviados pelo instituto para avaliação de autoridades. Procurada pelo g1, a Senacon afirmou que até o momento não recebeu o ofício. A ANPD e o Cade não retornaram o contato.
"A utilização dos dados pessoais de todos os usuários para treinamento da inteligência artificial generativa da Meta representa uma exploração unilateral da vida dos usuários sem que eles recebam qualquer benefício em troca e nem mesmo tenham a dimensão do seu impacto", afirmou Marina Fernandes, pesquisadora do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec.
O que acontece agora?
O ofício não garante que as autoridades adotarão alguma medida contra a coleta de dados de usuários de redes sociais para treinamento da IA.
Porém, o Idec pede para os órgãos a suspensão da mudança na política de privacidade da Meta e a determinação para a empresa notificar usuários sobre a prática e deixar de usar dados pessoais para treinar IA sem consentimento dos titulares.
A entidade também defende que o Cade instaure um processo administrativo para investigar a Meta por possíveis violações à Lei de Defesa da Concorrência.
"As autoridades devem, assim como na União Europeia, suspender a política de privacidade e determinar que à empresa se abstenha de utilizar dados pessoais para treinamento de ferramentas de inteligência artificial generativa sem prévio consentimento qualificado dos titulares", disse Fernandes.

Como impedir Instagram e Facebook de usarem suas fotos e postagens para treinar inteligência artificial

Elie Horn, da Cyrela: ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
A coleta dos dados públicos de usuários para desenvolver e melhorar a assistente de inteligência artificial da Meta está prevista na política de privacidade da empresa. Meta passa a coletar dados das redes para IA. Saiba passo a passo para desativar
Fotos e textos que você posta no Instagram e Facebook podem estar sendo usados para desenvolver e melhorar uma inteligência artificial.
A coleta desses dados para tal finalidade aparece na nova atualização da política de privacidade das duas redes sociais, que são controlados pela Meta, empresa de tecnologia de Mark Zuckerberg.
Na Central de Privacidades da Meta, disponível no Instagram, a empresa diz que usa informações que estão publicamente disponíveis e que foram compartilhadas em suas plataformas. Isso inclui publicações, fotos ou legendas.
O conteúdo das mensagens privadas com amigos e familiares não é usado, segundo a empresa.
⚠️ Mas os usuários podem se opor. Também na Central de Privacidades, a Meta diz que as pessoas têm "direitos relacionados à forma como suas informações são usadas para IA na Meta", o que inclui o direito de se opor ao uso de informações compartilhadas.
O passo a passo para desativar a coleta de informações no Instagram
g1
A remoção é instantânea?
Segundo a Meta, não. O texto diz que as solicitações de objeção serão analisadas de acordo com as leis de proteção de dados relevantes. "Se a sua solicitação for atendida, ela será aplicada a partir do momento que for aceita", diz o texto.
O que diz a Meta?
A Meta diz que pode "processar informações sobre você para desenvolver e melhorar a IA na Meta, mesmo se você se opuser ou não usar nossos produtos e serviços".
Como exemplo, a empresa diz que isso poderia acontecer se o usuário ou suas informações:
aparecerem em uma imagem compartilhada nos produtos ou serviços por alguém que os usa;
sejam mencionados em publicações ou legendas que outra pessoa compartilhar nos produtos e serviços.
Procurada pelo g1, a Meta enviou a seguinte nota:
"Estamos comprometidos em desenvolver a inteligência artificial na Meta – nossa coleção de recursos e experiências generativas de inteligência artificial junto com os modelos que os alimentam – de forma segura, responsável e atendendo as regulações de privacidade no Brasil."
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Privatização da Sabesp: reserva de ações para leilão de empresa de saneamento de SP começa nesta segunda

Elie Horn, da Cyrela: ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
Abre hoje a venda de 17% das ações para investidores, incluindo pessoas físicas. Oferta pode captar cerca de R$ 16,5 bilhões. Governo de SP vai manter 18% das ações da Sabesp após privatização
As reservas das ações de privatização da Sabesp estão abertas a partir desta segunda-feira (1°). Os papéis podem ser comprados por investidores aptos a operar no mercado de ações, incluindo pessoas físicas via corretora. As ações da empresa de saneamento estão nas mãos da estado de São PAulo e irão oficialmente a mercado somente em 19 de julho.
Serão vendidas até 220,5 milhões de ações. O governo paulista ainda terá participação na empresa, de 18% a 22%, a depender da demanda do mercado.
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Na última sexta (28), o grupo Equatorial Participação e Investimentos venceu a primeira etapa da venda de ações da Sabesp na bolsa de valores brasileira (B3) . O investidor de referência ficou com 15% das ações. A companhia foi a única interessada em exercer esse papel na privatização e está impedida de vender suas ações até 2030.
Até sexta (21), o governo de São Paulo detinha 50,3% das ações da Sabesp. Com o processo de privatização, o poder público ficará com 18% dos papéis da empresa. Após a venda da companhia, o governo ainda terá poder de veto em algumas decisões.
Privatização
Caixas de tratamento de água da Sabesp no estado de São Paulo.
Divulgação/Sabesp
O projeto que autorizou a privatização da Sabesp foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo em dezembro de 2023. Na capital, a privatização foi aprovada na Câmara Municipal em 2 de maio deste ano.
Atualmente, metade das ações da empresa está sob controle privado, sendo que parte é negociada na B3 e parte na Bolsa de Valores de Nova York, nos Estados Unidos.
Em 2022, a empresa registrou um lucro de R$ 3,1 bilhões. Desse montante, 25% foram revertidos como dividendos aos acionistas e R$ 2,4 bilhões destinados a investimentos.
Atendendo 375 municípios com 28 milhões de clientes, o valor de mercado da empresa chegou, em 2022, a R$ 39,1 bilhões.
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30 anos do Real: como era a vida antes do plano econômico que deu origem à moeda brasileira

Elie Horn, da Cyrela: ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
Hiperinflação fazia com que o índice anual ultrapassasse os 2.500%. População era obrigada a gastar rápido os seus salários antes que os produtos fossem remarcados já nas gôndolas dos supermercados. Chegada do plano trouxe estabilidade e eliminou o caos inflacionário. O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, segura a cartilha da URV (Unidade Real de Valor) enquanto concede entrevista na porta do Ministério, em março de 1994.
Wilson Pedrosa/Estadão Conteúdo/Arquivo
Há 30 anos, em 1° de julho de 1994, o real era colocado em circulação. Apesar de ser a maior marca do Plano Real, essa foi só a ponta final de um extenso plano econômico que pôs fim a uma era de hiperinflação e constantes trocas da moeda corrente do Brasil.
De lá para cá, o real já se desvalorizou bastante. A inflação oficial do país acumulou alta de 708% nesses 30 anos. Em outras palavras, uma moeda de R$ 1 de hoje equivaleria a R$ 0,12 da época.
Parece bastante, mas não se compara com a dimensão do problema que o real veio resolver. Em 1992, no início do governo de Itamar Franco, o Brasil registrava uma inflação superior a 2.000% ao ano. As remarcações de preços de produtos básicos eram diárias — quando não aconteciam mais de uma vez ao dia.
Governos anteriores haviam lançado um punhado de planos econômicos frustrados, incluindo o rumoroso Plano Collor, que chegou a confiscar o dinheiro da poupança dos brasileiros e forçar um congelamento nos preços para controlar os índices.
Tudo havia dado errado, até chegar o Plano Real. Desenhado por uma equipe econômica composta por nomes, como Fernando Henrique Cardoso, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e André Lara Resende, o novo plano pôs fim à crise inflacionária e deixou a catástrofe de preços na memória.
Nesta reportagem, o g1 explica o plano e ouve a experiência de quem viveu aqueles tempos. Afinal, quem tem menos de 40 anos de idade provavelmente não lembra do que é conviver com a hiperinflação.
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Corrida aos mercados para gastar o mais rápido possível
Os anos que precederam o Plano Real foram marcados, sobretudo, pela hiperinflação, que era de 2% a 3% por dia. Trata-se de um percentual próximo ao que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registra em quase um ano.
O administrador de empresas Gilberto Rodrigues, de 62 anos, viveu cinco mudanças de moeda no país. Por várias vezes, esteve presente nas tradicionais corridas aos supermercados para garantir produtos básicos antes da remarcação dos preços.
"Era muito comum as pessoas dormirem nas filas ou chegarem na madrugada para garantir 2 kg de carne, ou um pacote de arroz, feijão, açúcar, óleo de soja", conta.
Gilberto lembra que muitos colegas compravam o maior modelo disponível de refrigeradores para armazenar o quanto fosse possível de alimentos perecíveis, e assim garantir preços menores. "Era uma época muito difícil. Lembro da máquina de remarcação de preços a todo vapor nos supermercados", conta.
"Na época, não existia a tecnologia dos códigos de barras, e todos os produtos da prateleira recebiam uma etiqueta com o valor. O produto tinha um preço pela manhã, outro à tarde e amanhecia com um valor ainda maior".
A família de Rodrigues tinha o hábito de fazer as compras assim que o salário caísse na conta. Guardar dinheiro era sinônimo de perda do poder de compra. E a prática de não poupar era comum na época.
O engenheiro José Nagib, de 75 anos, trabalhava no setor público como professor de engenharia. Antes do Plano Real, diz ele, "era difícil muito chegar ao fim do mês com algum dinheiro" sobrando na conta, mesmo com o salário pingando na conta todo mês.
"Os preços variavam em uma velocidade impressionante. Você fazia compra, pagava com cheque e o dinheiro ia rendendo na conta até o cheque ser descontado. Tínhamos que fazer compra de mês para abastecer a casa. Só frutas e verduras eram compradas na feira semanalmente", conta Nagib.
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Contexto histórico
A hiperinflação que o Brasil atravessou antes do Plano Real foi consequência de uma política de expansão de gastos públicos, que aumentou de maneira expressiva o endividamento brasileiro durante a ditadura militar para financiar o crescimento do país.
Mas quando crises globais chegam, as grandes economias também sofrem choques de inflação. Em situações assim, precisam elevar suas taxas de juros para combater a alta de preços. Os juros mais altos e o aumento de risco fazem com que o capital de investidores migre para economias mais seguras. Isso piora o câmbio e reduz a oferta interna de produtos em emergentes, como o Brasil.
Ao longo dos anos 1980, o endividamento crescente do país se juntou às pressões vindas da economia global e transformou os reajustes de preços em uma bola de neve. Nenhum dos planos econômicos e trocas de moeda conseguia conter a hiperinflação.
Walter Franco, professor de Economia do Ibmec, explica que a loucura dos preços fazia parte do dia a dia do brasileiro. "Era algo muito peculiar. Mesmo se você não fosse letrado ou muito afeito à matemática, você, como cidadão comum do Brasil, entendia o que tinha que fazer", diz.
"O brasileiro sabia, por exemplo, que era melhor comprar o que precisasse logo quando recebesse o salário, e que era bom colocar o pouco dinheiro que tinha em uma aplicação overnight para conseguir um ganho de hoje para amanhã", afirma Franco.
Uma aplicação "overnight", destaca o professor, é um tipo de investimento em que o investidor coloca o dinheiro à noite e recebe o valor já corrigido na manhã do próximo dia útil, corrigido por uma taxa de juros que acompanha a expectativa da inflação.
Essa taxa existe ainda hoje, mas era muito comum nos anos 1980 e 1990 porque garantia, pelo menos, o poder de compra durante a noite. Tanto Gilberto Rodrigues, quanto José Nagib, que compartilharam seus relatos sobre a época com a reportagem, contam que comumente aplicavam dinheiro no overnight.
Segundo Nagib, que tinha comprado um terreno e pagava o financiamento durante o período de hiperinflação, nos dias em que precisava pagar as parcelas, ele só transferia o dinheiro no fim da tarde para garantir que já teria recebido os juros do overnight.
Como funcionou o Plano Real
Como funcionou o Plano Real
Tanto especialistas em economia, quanto pessoas comuns afirmam que um ponto-chave do Plano Real foi o fato de ele não ter trazido nenhuma surpresa. Não houve confisco, não houve congelamento de preços, nem outra estratégia mirabolante.
O Plano Real se baseou em três pilares:
Controle fiscal;
Equiparação ao dólar;
Criação de uma moeda forte.
1️⃣ O plano teve início no fim de 1993, com um ajuste fiscal para diminuir os gastos do governo e aumentar suas receitas. Foi promovido com um corte de US$ 22 bilhões no Orçamento, além de um aumento de 5% nas alíquotas de todos os impostos nacionais.
O governo também trabalhou com o Congresso Nacional para a criação de um Fundo de Emergência, com a destinação de 15% da arrecadação de impostos para o pagamento de programas sociais.
2️⃣ Depois, em fevereiro de 1994, o Banco Central do Brasil criou e divulgou a Unidade Real de Valor (URV), um índice para produtos que era indexado ao dólar e variava com ele todos os dias.
O governo passou a usá-lo como referência. Enquanto os preços em cruzeiros reais não paravam de subir, os valores dos mesmos produtos em URV variavam muito pouco, amenizando a pressão da inflação.
3️⃣ Por fim, em 1° de julho de 1994, quando toda a economia já estava alinhada ao uso do URV, foi lançado o real, que também usava o dólar como referência.
Foi divulgada uma tabela de conversão, e a população teve algumas semanas para trocar as notas antigas de cruzeiro pelas notas de real. Também houve fiscalização contra o aumento indevido e inexplicado de preços, punindo os comerciantes que tentassem se aproveitar da troca de moeda.
Veja, no vídeo abaixo, como foi o primeiro dia do real.
Plano Real (1994)
Walter Franco, do Ibmec, lembra que a condução política do Plano Real também foi muito importante para o seu sucesso.
O professor comenta que Itamar Franco "tinha um peso muito grande em suas costas e não podia errar", por ser um "presidente substituto" após a destituição de Fernando Collor. "Ele se cercou de uma equipe econômica de ponta e que também tinha conhecimento dos erros do passado", afirma.
O economista ressalta que uma figura forte da política, a de Fernando Henrique Cardoso, foi essencial para avançar com as negociações com o Congresso Nacional. Ajudou também a divulgar amplamente as mudanças para a população, para acabar com a "mentalidade inflacionária".
Mudança de vida
Franco, do Ibmec, afirma que o principal impacto do Plano Real na vida de uma pessoa comum foi a possibilidade de que o brasileiro pudesse se organizar e começar a guardar dinheiro. Sem a hiperinflação no radar, a população perdeu o medo de que suas economias "derretessem" com o tempo.
"Como seria possível fazer um orçamento naquela época, com uma inflação de centenas por mês? Não havia capacidade de planejamento. O Plano Real acaba com tudo isso, ele permitiu a geração de riqueza", explica o professor.
"Quando você tem uma economia organizada, com inflação sob controle, com sinais claros por parte dos agentes econômicos, você atrai investimentos locais e, estrangeiros. Todos podem planejar melhor os seus gastos: o Estado, o empresário e as pessoas físicas também", conclui.
A contadora Sandra Mendes tem hoje 58 anos, mas estava recém-casada e tinha acabado de dar à luz a seu primeiro filho quando o Plano Real foi instituído. A família não tinha dinheiro nem "para uma cadeira para sentar", segundo ela.
Um dos maiores gastos que tinham era com aluguel de um apartamento no interior de São Paulo, cujo preço era fortemente reajustado para acompanhar a inflação.
Quando o real começou a valer, o aluguel parou de subir e a família passou a poupar. A proprietária do imóvel até tentou elevar o valor pago pelo casal, pelo receio de que a inflação voltasse a subir, mas Sandra recorreu à Justiça para impedir o reajuste. E conseguiu.
Com as despesas controladas, juntaram o suficiente para dar entrada em uma casa. "Como não tinha mais aquela inflação, o antigo proprietário aceitou R$ 5 mil de entrada e parcelar o restante do valor", lembra ela.
"Foi o Plano Real que nos possibilitou sair do aluguel e comprar nossa casa", diz Sandra.

Elie Horn, da Cyrela: ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’

Elie Horn, da Cyrela: ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
Empresário e filantropo concedeu entrevista a jornalistas antes do lançamento de seu primeiro livro, a biografia 'Tijolos do Bem'. Elie Horn, fundador da Cyrela.
Divulgação
Após quatro anos de idas e vindas na ideia de contar a história de sua vida, o empresário e filantropo Elie Horn lança seu primeiro livro biográfico nesta segunda-feira (1º).
“Tijolos do Bem” conta a história do empresário e sua trajetória para construir uma das maiores incorporadoras do país, a Cyrela Brazil Realty. Até a última sexta-feira (28), a empresa tinha mais de R$ 7 bilhões em valor de mercado.
A edição é de Sarita Mucinic Sarue e publicação pela editora Sêfer. A biografia custa R$ 60.
Perto de completar 80 anos, Elie Horn continua a ser co-presidente do conselho de administração da companhia, e concilia seu tempo com ações filantrópicas. Ele é um dos signatários do movimento The Giving Pledge, de bilionários que prometem doar parte da sua fortuna ainda em vida.
Sentado à ponta de uma imponente mesa de jantar, o empresário recebeu jornalistas para uma entrevista coletiva em sua casa, em um bairro nobre da zona sul de São Paulo. Falou do processo de criação de sua biografia, compartilhou opiniões sobre o mercado imobiliário e sobre o atual momento econômico do país.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
Sobre o livro: ‘Fiquei com medo e com vergonha’
‘Eu nunca fico muito preocupado se a bolsa sobe ou desce. Eu já vi esse filme acontecer’
‘O Plano Real, desde o começo, deu certo’
‘O setor é muito bom, mas se não for cuidadoso, você quebra’
Quem é Elie Horn?
‘Fiquei com medo e com vergonha’
O livro passa por toda a trajetória do empresário, da infância na Síria até a formação de um império da construção no Brasil.
Ao comentar sobre ele, o empresário contou que demorou quatro anos e meio para a sua conclusão, destacando que passou por momentos de dúvida e incerteza quanto a sua publicação.
“Esse livro demorou quatro anos porque um ano e meio depois do resumo feito, fiquei com medo e com vergonha de não dar certo. Então, parei por indecisão”, diz Elie, afirmando que uma pessoa de sua família não gostou da ideia e que isso também o deixou abalado.
“Depois repensei e falei ‘tenho que ir até o fim’. Não tem sentido nenhum desistir a essa altura. Mas não é fácil. […] Para mim é um ato de coragem”, diz o empresário, destacando que já tem ideia para outras publicações e que os novos lançamentos ainda dependem do sucesso do “Tijolos do Bem”.
‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
Além da trajetória de sucesso nos negócios, detalhada no novo livro, Elie Horn é conhecido por sua vocação filantrópica. Ele está há quase 10 anos na lista de bilionários que se comprometeram a doar 60% do seu patrimônio antes de morrer.
Em 2015, ele e sua esposa, Suzy, entraram no The Giving Pledge. O projeto foi criado em 2010 pelos bilionários Warren Buffett, Melinda French Gates e Bill Gates, e convida multimilionários a doarem a maior parte de sua riqueza ainda em vida.
Segundo o empresário, no entanto, foi apenas há “sete ou oito anos” que ele começou a “passar a palavra à frente”, incentivando outros super-ricos a doarem para a caridade.
Elie também comentou sobre seu projeto “Think Thank”, anunciado em abril deste ano e que junta 20 empresários voluntários para “gerar ideias para o bem”, afirmando que apesar de perceber uma melhora pequena no envolvimento de bilionários e da sociedade com a caridade, ainda falta “conscientização”.
Horn é um dos poucos, por exemplo, que defende abertamente a taxação de heranças e grandes fortunas — um dos temas defendidos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Até o Aron [Zylberman, conselheiro de administração do IRB Re, amigo de Elie e também pertencente à comunidade judaica] me chamou de covarde. ‘[Perguntei] por que covarde?’ [E ele disse] porque você faz o bem sozinho e deixa para você o prazer do bem”, diz o empresário.
“Então, isso me obrigou a abrir a boca e começar a falar. Agora eu não paro mais”.
Conciliar o trabalho e a filantropia não é simples. O empresário acorda todos os dias entre 3h ou 4h da manhã, faz aulas diárias de filosofia para “alimentar a alma”, além de musculação e natação. Eventualmente faz caminhadas pelo jardim de sua casa, que tem mais de 500 m².
“Então no tempo que me sobra, eu faço metade trabalho, metade minha filantropia”, disse Elie, reiterando que quer continuar “produzindo” — seja nos negócios da companhia ou com a caridade — todo o tempo enquanto estiver vivo.
“No livro está escrito o que eu gostaria que escrevessem no meu túmulo: ‘esse homem tentou fazer o bem’. Tentei por quê? Porque nunca ninguém chega ao fim. Mas pelo menos eu tentei. Pode ser que eu não consiga, mas eu tentei”, afirma.
Mesmo tendo atuado durante quase toda a vida no segmento imobiliário, a maior parte das doações de Elie Horn são direcionadas para educação.
“Educação é o futuro. Sem educação não tem como avançar”, disse o empresário, citando que também luta no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes.
“[Precisamos libertar] a escravidão onde se encontram essas meninas. Uma menina de 12 anos grávida, não tem culpa, ela não entende nada. A culpada é a sociedade. […] Para mim, elas são escravas do sistema ao qual nós pertencemos”, acrescenta.
‘Eu nunca fico muito preocupado se a bolsa sobe ou desce. Eu já vi esse filme acontecer’
Ainda na entrevista, o empresário foi provocado a comentar a atual situação econômica do país, principalmente sobre o quadro fiscal.
Os cofres públicos do país tem sido alvo recente de preocupação de empresários como ele e do mercado financeiro, com o governo sendo cada vez mais pressionado a cortar gastos e equilibrar as contas.
“Todo mundo que gasta mais do que ganha, apanha. Cedo ou tarde. As regras da vida são claras. […] E com o país é igual. Se o país [está gastando mais do que recebe], vai apanhar. O fim é certo”, diz Elie Horn.
Por outro lado, o empresário destacou a importância de ações sociais que “não mudam com os partidos [políticos]” e dos programas habitacionais do governo, afirmando que “dar teto para alguém que nunca teve teto é muito importante”.
Elie falou, ainda, que se preocupa com “as vítimas do sistema”, citando a pobreza e a falta de acesso à saúde de qualidade.
“Preocupa quando vejo alguém morrendo de fome […] ou por causa da medicina. Essa é minha grande preocupação”, diz o empresário, sinalizando não se preocupar tanto com a economia, uma vez que ela é cíclica.
“Eu já vivi boa parte da minha vida e as coisas se repetem. Então, eu nunca fico muito preocupado se a bolsa sobe ou desce. Eu já vi esse filme acontecer”, afirma.
“Já vi o país quebrar umas cinco ou seis vezes. A moeda desaparece, o dólar sobe, a inflação vai para 80% ao mês. […] Isso tudo não me afeta mais porque já estou acostumado. De tanto apanhar, já estou calejado. Mas o mundo não muda, o país não muda, o sistema não muda. E isso é triste”, completa.
‘O Plano Real, desde o começo, deu certo’
Elie Horn também fez elogios ao regime econômico vigente, o Plano Real — que completa 30 anos nesta segunda-feira.
Segundo o empresário, as empresas precisaram acreditar no plano desde seu lançamento, em julho de 1994. “A gente não podia achar que não ia dar certo, se não ia fechar a empresa. Você precisa acreditar no sistema”, diz Horn.
“Então, eu diria que o Plano Real, desde o começo, deu certo. Para nós, [deu certo] desde o 1º dia. […] É um plano bem bolado, feito de maneira inteligente e o Brasil tinha a obrigação de ter uma moeda forte. Sem moeda forte, [o país] morre”, acrescenta.
Questionado sobre o motivo por nunca ter enveredado para a política, Elie Horn disse ser “muito cru”. “Não sou político. Não sei fazer política e nem quero fazer”, diz.
‘O setor é muito bom, mas se não for cuidadoso, você quebra’
Em seu livro, o fundador da Cyrela conta como começou a vender imóveis. Seus primeiros negócios no setor imobiliário começaram em 1964, junto ao seu irmão, Joe.
O negócio de compra e venda de apartamentos funcionava da seguinte maneira: se um imóvel custava US$ 10 mil, os irmãos o compravam com um sinal de 10% do valor, que pegavam emprestado do banco ou de amigos próximos.
A proposta era que pagassem 30% do valor total do imóvel em 90 dias, e 60% em 36 meses — com juros e sem correção monetária.
“Depois, passamos a fazer o mesmo sistema com terrenos. […] Em pouco tempo a gente conseguiu crescer muito. Começamos em 1964 e, em 1974, já éramos bem fortes”, afirma o empresário.
Quase 50 anos depois do sucesso, Elie Horn vê como positivo o avanço do setor imobiliário no Brasil, mas destaca que muitas empresas ainda não sabem administrar seu próprio fluxo de caixa — o dinheiro que entra e sai da empresa.
“Infelizmente, muitas empresas que abriram capital na bolsa se deram mal […] porque começaram a não respeitar seu cash flow [fluxo de caixa]. O setor é muito bom, mas se não for cuidadoso você quebra”, diz.
Quem é Elie Horn?
Elie Horn nasceu em julho de 1944 em Alepo, na Síria. Com uma infância e adolescência difícil, veio ao Brasil com sua família aos 11 anos, em 1955, alojados em uma cabine de terceira classe de um navio.
O intuito era encontrar seu pai e seu irmão mais velho, vieram ao país para conseguir trabalho e moradia, após a loja de tecidos da família em Beirute, no Líbano, ter ido à falência.
Elie repetiu o 3º ano duas vezes. Aos 19 anos e recém-formado no ensino médio, ele foi trabalhar com seu irmão Joe, na corretagem de produtos químicos. O trabalho era vender soda cáustica e goma laca de porta em porta no Brás, bairro de São Paulo.
Chegou a trabalhar na tecelagem de outro de seus irmãos, mas a parceria durou apenas seis meses.
Pouco tempo depois, voltou a trabalhar com Joe, agora em novo negócio no ramo imobiliário. Passaram, então, a comprar e vender apartamentos e terrenos com pagamento a prazo.
Após cinco anos como funcionário de seu irmão, Elie se tornou sócio da empresa e, anos depois, deixou a parceria para fundar a Cyrela, em 1961. Em 2005, a empresa abriu seu capital e foi à bolsa de valores de São Paulo. Atualmente, a empresa tem valor de mercado superior a R$ 7 bilhões.
Elie Horn deixou o comando da companhia em 2014, após um diagnóstico de Parkinson.
Também conhecido por sua filantropia, Elie Horn tem uma série de iniciativas voltadas à caridade, como o Instituto Cyrela, a Liberta e o Movimento Bem Maior, por exemplo.
Em 2015, foi o primeiro empresário radicado no Brasil a aderir ao The Giving Pledge, projeto criado pelos bilionários Warren Buffett, Melinda French Gates e Bill Gates, que convida multimilionários a doarem a maior parte de sua riqueza à filantropia.
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